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Fora da Cafua – Gabriel Sanpêra

Ler Fora da Cafua, do poeta Gabriel Sanpêra, foi como mergulhar em um mar profundo de beleza, identidade e reconhecimento. Este livro de poemas traz a potência da voz de um jovem negro que não tem medo de falar de amor, de dor, de ancestralidade e de religiosidade. Os poemas presentes neste livro desafiam a estrutura fechada do gênero e vão além de estrofes, trazendo a beleza da língua falada, o que Lélia Gonzalez chamaria de pretuguês.

 

O poema que abre o livro é “Café”. Nele, a partir de um episódio cotidiano, é retomado o significado histórico do café: “Café com ingredientes de mortes, chibatas e desaparecimentos. Café extermínio. Café usurpação. Café com leite. Café negro de enxada na mão. O café moído grão por grão sobre as costas pretas no interior da senzala”. Já aqui Gabriel Sanpêra expõe o quão avassaladora é sua poesia. Ele não precisa de meias palavras para dizer o que quer, diz diretamente, ainda que também aja em sua produção a presença de uma escrita metafórica.

A poesia de Gabriel é pesada e leve ao mesmo tempo. Pesada porque apresenta verdades e realidades doídas e leve porque também fala sobre amor como uma possibilidade. Como pode-se observar no poema “Poluído alado”, no qual entendemos que o amor ansiado pelo eu-lírico só se sustentará em liberdade. Assim como em “Ode à preta”, que é um poema lindíssimo que fala sobre amor e ao mesmo tempo fala sobre migração e a condição de muitos dos migrantes.

 

“Volta de água, preto sem volta” fala sobre os sequestros em África e a travessia dolorosa do Atlântico, explicitando os horrores, falta de humanidade e que muitos morreram neste caminho, tendo seus corpos violados. Desse modo, a realidade dos corpos negros é uma constante, seja em tempos idos que ficaram para a história, ou em tempos atuais, com a rotina do que é ser um homem negro e periférico.

 

Comida também é um elemento recorrente na poesia de Gabriel, comida como afeto, como história: “Faço o feijão tropeiro e te sirvo num prato com gravura”; “Se eu fizer um miojo e te chamar pra rir à vontade na calçada/Vai sentir que é pouco?/ Miojo com orégano e alguns tomates frescos”.

 

Fora da Cafua apresenta uma heterogeneidade de eu-líricos, o que faz com que cada poema seja uma potência em si e ao mesmo, enquanto livro, seja revestido de significados vários. O que eu gosto da poesia do Gabriel é a presença ancestral em suas diversas formas, seja pela ritualidade ou a herança cultural deixada, cada uma delas repleta de beleza e de poder. 

 

Se o livro como um todo já é bom, ele torna-se ainda melhor e digno de admiração quando sabemos a forma como foi escrito: no bloco de notas de um celular.

 

 

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