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Educação Filosofia

Paulo Freire questiona o ensino bancário em “Extensão ou Comunicação”

Para que os homens simples sejam tidos como absolutamente ignorantes, é necessário que haja quem os considere assim — Paulo Freire

Escrito em 1968, quando Paulo Freire estava exilado no Chile, Extensão ou Comunicação (Paz & Terra) é um livro onde o autor de Pedagogia do Oprimido faz um detalhado estudo pedagógico sobre o modo (quase pedante) que os técnicos agrícolas costumam impor a ciência — através do método bancário de ensino — na vivência dos moradores do campo, fazendeiros, etc. que na maioria das vezes já possuíam um conhecimento agro-cultural — que Freire aqui chama de “mágico” — da terra que cultivavam antes mesmo de serem influenciados pela ciência e pela agronomia —  “problema antropológico, epistemológico e também estrutural” (p. 39).

Dando início ao estudo, Freire analisa o termo “extensão” — quando um sujeito se entende como sábio universal e ensina para um ouvinte passivo —, e a sua relação com a “invasão cultural”, ao mesmo tempo em que advoga a favor da comunicação — quando as duas partes são igualmente participantes de uma troca recíproca de conhecimento —, e de certo modo, a chave para o entendimento do que Freire abordará a seguir é que não existe educação como dominação — tão frequente no ensino tradicional brasileiro —, e que a educação só será autêntica se for focada no diálogo, porque caso contrário, essa educação não será libertadora, já que irá, de forma inerente, escravizar o homem, o transformando em coisa, retirando sua humanidade.

Ninguém pensa sozinho. Isso é um fato. Pensar precisa ter como objetivo final o bem coletivo de todos à nossa volta. Nas palavras de Freire, “Não há um ‘penso’, mas um ‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário” (p. 85). O “pensar sozinho” foi e é o principal causador da (des)educação das gentes brasileiras, e isso pode ser confirmado nas palavras proféticas do autor. Em 1968, Freire falava com propriedade sobre os danos de uma ditadura, de um governo que era, e ainda é negacionista e terraplanista, pautado pela imbecilidade, pela misoginia, pelo racismo, pela homofobia e pelo anticientificismo. Em determinado momento, o autor de Pedagogia da Autonomia — de forma dolorosamente tragicômica — escreve sobre o messianismo da época: “Este messianismo acaba, quase sempre, por desembocar em esquemas ‘irracionalistas’, nos quais o homem fica diminuído.” (p. 73). Qualquer semelhança com o desastre atual do país não é por acaso, e sim, um longo projeto de ideologia reacionária.

Traduzido por Rosiska Darcy de Oliveira, o livro é relativamente curto com suas 128 páginas, porém não se deixe enganar pelo número pequeno, achando que será uma leitura passiva, uma vez que as ideias contidas na obra são basicamente abordadas e escritas através de um recorte filosófico sobre a educação, e podem ser consideradas não como base, mas como um acompanhamento para o que o escritor abordaria no decorrer de sua carreira. 

Em última análise, Extensão ou Comunicação, escrito no mesmo ano de Pedagogia do Oprimido, é uma obra rica para entendermos um pouco da metodologia freireana de educação, mas através de uma lente agro-socio-cultural, e que na minha opinião, não deve ser usada como porta de entrada para o pensamento do autor, que, como sabemos, nunca pode ser lido apenas como passatempo, e necessita de uma leitura comprometida. Para ler esta obra, bem como toda a obra do autor, é preciso estar disposto a abraçar o novo, pensar de forma plural, e transformar a realidade. Logo, indico Leitura do Mundo, Leitura da Palavra e Educação como prática da liberdade antes de se debruçar em Pedagogia do Oprimido, e suas obras seguintes.


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