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Literatura estrangeira

Antonio Skármeta mostra o valor do voto em “O dia em que a poesia derrotou um ditador”

Publicado originalmente em 2011 no Chile como Los días del arco iris — um título, aliás, muito melhor —, O dia em que a poesia derrotou um ditador é um romance do escritor chileno Antonio Skármeta publicado no Brasil em 2021 pela editora Record que conta a história de duas famílias atravessadas pelos traumas da ditadura chilena comandada por Augusto Pinochet.

Em 1988 conhecemos Nicômaco “Nico” Santos, um adolescente de 18 anos que presencia o pai, um professor de filosofia, ser preso durante a aula por funcionários do exército comandado pelo ditador Pinochet. Paralelamente, conhecemos Adrián Bettini, um dos maiores publicitários do Chile — e pai de Patrícia, namorada de Nico —, mas que por ser da extrema esquerda, não consegue exercer sua profissão.

Em determinado momento, Pinochet, por pressão internacional, decide tentar suavizar sua imagem, e autoriza novas eleições, em que os cidadãos poderão votar se querem ou não continuar vivendo em uma ditadura. Um dos secretários do governo oferece a Adrián uma proposta irrecusável: por um salário escolhido por ele, ele deverá usar seu talento como publicitário para criar a campanha de reeleição de Pinochet.

Antonio Skármeta. Créditos: Biblioteca Municipal da Marinha Grande

É uma questão que, a princípio, parece ser fácil de ser respondida. Mas se pararmos para pensar, não é tão simples assim. Adrián pode ter o salário que quiser, mas para isso deverá ir contra a sua ideologia política. Pior, se recusar a oferta, será que ele não será torturado e assassinado como muitos outros? Existe ainda uma terceira opção: quem garante que em caso de derrota nas urnas, Pinochet, que comandava o país após 15 anos de golpe, iria simplesmente abaixar a cabeça e sair de cena sem tentar um novo golpe?

Com capítulos curtos e uma leitura absurdamente dinâmica, o autor alterna entre as duas famílias enquanto cada membro lida ao seu modo com os acontecimentos diários, sejam eles peças teatrais da escola, discussões intelectuais acerca de Shakespeare, mortos e torturados, ou simplesmente bandas internacionais que faziam sucesso na década de 80. De modo orgânico, por exemplo, Skármeta sabe exatamente quando abandonar um capítulo focado em Adrián e direcionar a atenção do leitor ao drama familiar de Nico, que precisa ao mesmo tempo manter a calma enquanto não encontra notícias sobre o paradeiro do pai.

Algo interessante é que apesar de ser o acontecimento que move a trama, o desaparecimento de Santos parece ir perdendo importância a cada capítulo. Sim, obviamente os personagens ainda estão preocupados com o paradeiro do sujeito, mas no melhor estilo L’Avventura (soberbo filme dirigido pelo italiano Michelangelo Antonioni em 1960, onde o desaparecimento da protagonista move a trama), até mesmo a preocupação dos amigos e familiares parece desaparecer. Em outras palavras, o desaparecimento do pai de Nico se transforma em uma espécie de MacGuffin literário.

O dia em que a poesia derrotou um ditador (traduzido por Luís Carlos Cabral) aborda temas importantíssimos que podem, infelizmente, ser trazidos para o contexto político brasileiro. Skármeta trata o voto — e o direito a ele — com a devida importância, visto que é apenas através do voto que podemos tentar melhorar o rumo do futuro do país em que vivemos — seja ele qual for.


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