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Negritude e racismo em “Um dia para famílias negras”, de Davi Nunes

Publicado pela editora Malê, Um dia para famílias negras foi escrito por Davi Nunes e narra angustiantes 24 horas na vida de duas famílias negras de Salvador: a primeira, que abraça e se orgulha de sua negritude é composta por Manu, um pintor conhecido mundialmente; sua esposa Mariá, uma premiada historiadora, conhecida por todo o país, e suas duas filhas adolescentes, Amira e Areta. A segunda família, que luta com todas as forças para esquecer suas origens, é composta por Fernanda, uma mãe solteira dona de casa, e sua filha Andreia, uma garota negra de pele clara que se entende como branca, fruto de um relacionamento com um belga branco e milionário. Outros personagens de destaque são Robson, motorista de Fernanda, e amigo de Manu; Madrugada, um poeta famoso, também amigo de Manu; e Rita Ferrenho, a coordenadora branca e racista da escola onde estudam Andreia, Areta e Amira, que simboliza a instituição racista Homem Branco.

De modo sucinto, o autor já estabelece as características físicas, sociais e raciais de cada personagem nas primeiras cinco páginas. Ali ficamos sabendo como cada personagem se comporta, ou se comportará diante de alguma adversidade do dia a dia. Após o curto primeiro capítulo, somos apresentados à trama de fato: o dia começa com Areta e Amira se arrumando para ir à escola particular onde estudam e, imediatamente, sofrem racismo por serem as únicas meninas negras do lugar, inclusive dos funcionários da escola, porque como sabemos, o racismo institucional é um dos pilares da educação brasileira. Quando uma aluna tem um vídeo íntimo vazado é atropelada ao fugir da escola, uma insistente sensação de apreensão toma conta da trama. A partir daí, o autor, com mãos firmes e talentosas, alterna entre o ponto de vista de cada um dos personagens antes do acidente acontecer, e como cada um deles reage ao ficar sabendo do acontecido. Essa sensação de desespero ganha forma, principalmente, pela mãe da personagem acidentada, que está indo ao hospital sem saber se ela está viva — e como estamos presenciando a reação de quase 10 personagens, o desespero é prolongado, pois tudo o que desejamos é que Nunes volte imediatamente para nos dar notícias sobre o estado da menina acidentada.

Com muitas citações à cultura pop, artistas e modelos — que funcionam como status e magreza a ser atingido —, e também a outros escritores, como Vladimir Nabokov e Carolina Maria de Jesus, o autor narra uma busca pelas raízes africanas das personagens, principalmente as mais novas, que estão em uma jornada constante de aprendizado sobre seu passado. A passabilidade branca acontece graças à tentativa de embranquecimento por parte de mães desesperadas para que seus filhos não sofram o que elas sofreram no passado devido à cor da pele. Fica evidente que quando as mães fazem isso, estão com boas intenções, ainda que, na prática, dificilmente o plano funcione.

O autor também trabalha duas noções diferentes de raiva como herança para as próximas gerações: a raiva que vem com a ação, e a raiva que vem com a reação. Os dois modos de raiva são abordados pelo autor através de dois personagens: Manu, que sofreu racismo a vida toda, e por consequência, odeia ao mesmo tempo os brancos e os negros que trabalham para os brancos; e Rita Ferrenho, a coordenadora branca e racista, que odeia os negros que possuem status sociais iguais ou maiores que os seus. Mariá — a personificação método martinlutherkinguiano de lidar com o racismo — faz de tudo para que as filhas não sejam contagiadas pela raiva constante do pai — que tende ao método malcolmxiano de lidar com o racismo. 

Um dia para famílias negras é uma leitura rápida, que por ser escrita de forma descomplicada, pode servir como uma espécie de presente, um mapa para crianças ou pré-adolescentes negras que se encontram em qualquer uma das situações descritas no livro, pois traz como mensagem a ideia de que buscar e abraçar suas raízes é sempre o melhor caminho.


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