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Cinema

A narrativa tradicional de “King Richard: Criando Campeãs”

Título original: King Richard. Ano: 2021.
Direção: Reinaldo Marcus Green. Roteiro: Zach Baylin. Elenco: Will Smith, Aunjanue Ellis, Saniyya Sidney, Demi Singleton, Rich Sommer, Dylan McDermott, Tony Goldwyn, Kevin Dunn e Jon Bernthal.
Nota: ★★★☆☆

King Richard: Criando Campeãs é um drama biográfico esportivo de 2021 que narra um período da vida de Richard Williams e suas duas filhas, as irmãs e tenistas Venus e Serena Williams, mais precisamente da infância até o início da carreira profissional de ambas. Criticado por seus métodos controversos de treinamento e planejamento, Richard fez tudo o que podia para transformar — e transformou, com a ajuda da esposa — as duas irmãs nas tenistas mais bem-sucedidas da história do esporte.

O filme segue uma narrativa tradicional e linear que tem início a todo vapor, nos mostrando a rotina diária da família, que morando em Compton — uma cidade historicamente violenta durante os anos 80 e 90 —, precisa se preocupar não apenas com a carreira das filhas, mas também com a violência decorrente das guerras de gangues, muito possivelmente, Crips e Bloods. Ainda que a violência entre gangues esteja constantemente presente na narrativa, é no mínimo curioso como o diretor prefere não arriscar ao abordar outro tipo de violência: a policial norte-americana da década de 90. Graças a essa escolha, violentos acontecimentos — como o brutal espancamento de Rodney King ocorrido em 1992, e dias depois, a destruição e os protestos que pararam a cidade de Los Angeles —, funcionam como comentários sutis que aparecem na TV de plano de fundo na sala da família. Em outros momentos, entretanto, o racismo estrutural e esportivo é comentado apenas brevemente através de algumas piadas feitas por Richard Williams em um clube de tênis homogeneamente branco, ou, durante várias reuniões com patrocinadores.

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Grande parte do filme poderia ser carregado por Will Smith e seu tradicional carisma, mas, infelizmente, Richard é um personagem teimoso e antipático na maioria do tempo, o que nos impede de simpatizar com ele e suas ações — ainda que lá no fundo, bem lá no fundo, estejamos cientes de que as ações de Richard contêm um enorme amor paterno. Por outro lado, é importante destacar como Saniyya Sidney (Venus) e Demi Singleton (Serena), com seus enormes sorrisos, trazem uma leveza sempre que estão no centro da narrativa… O que nos leva a indagar qual o motivo de terem decidido fazer um filme sobre um sujeito tão antipático quando poderiam simplesmente ter feito um filme sobre suas duas filhas, que como sabemos, são as verdadeiras superstars daquela família.

Finalmente, temos a atuação de Aunjanue Ellis, que interpreta Oracene Price com uma espécie de amor materno silencioso pelas filhas, mas que a seu modo, não nos deixa esquecer — muito menos o marido, em uma cena já icônica que nos remete à Viola Davis naquela emblemática cena de Um Limite Entre Nós, de 2016 — da importância do seu papel na criação das filhas, ainda que ele insista na ilusão de que fez tudo sozinho. Ellis entrega uma atuação que mescla a apreensão e a frustração de ter que lidar com o comportamento errático do marido, que toma importantes decisões sem consultar suas opiniões; com o carinho e a determinação de ter que cuidar da casa e de suas 5 filhas.

Sobre as supracitadas reuniões com patrocinadores e treinadores, o filme sofre com a repetição deste tipo de cena durante a narrativa. Tudo bem, nós sabemos que não foi uma tarefa fácil para o pai das garotas conseguir treinadores dispostos a trabalhar de graça, e aquelas cenas até poderiam funcionar como uma forma de nos mostrar o quão frustrante era o dia a dia de Richard, mas isso não quer dizer que os encontros precisavam ser mostrados todas as vezes, já que o diretor e o roteirista poderiam simplesmente ter usado algumas montagens mais sucintas, compilando estes encontros, nos poupando de toda a repetição. Mas, talvez, essas derrapadas sejam o motivo pelo qual o filme não tenha recebido uma indicação para o Oscar de Melhor Diretor — embora tenha sido indicado para Melhor Filme. O que isso significa? Que na opinião dos votantes do Oscar o filme é bom apesar das escolhas feitas pelo diretor? Nunca saberemos.

Embora o filme nunca deixe de ser uma cinebiografia morna e convencional, ele consegue prender a atenção do telespectador durante os seus longos — e exagerados 150 minutos — graças às atuações de um elenco afiado e em sintonia, e ao trabalho da editora Pamela Martin (que já havia trabalhado em outra produção esportiva de época: o filme A Guerra dos Sexos, de 2017, curiosamente, também sobre outra tenista: Billie Jean King) e do diretor de fotografia Robert Elswit (ganhador do Oscar por Sangue Negro em 2008), que filma as cenas noturnas em Compton de um modo que nos deixam sempre apreensivos, e as partidas de tênis com habilidade e dinamismo, sem cair na armadilha documental de mostrar partidas ficcionais como se fossem clipes de melhores momentos retirados diretamente dos canais de esportes que assistimos na TV.

“King Richard” concorre nas categorias Melhor Filme, Melhor Ator (Will Smith), Melhor Atriz Coadjuvante (Aunjanue Ellis), Melhor Roteiro (Zach Baylin), Melhor Edição e Melhor Canção Original.

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