Por Mayra Guanaes
No dia em que São Paulo anoiteceu às 15h da tarde por causa dos incêndios que estão acontecendo na Floresta Amazônica, assisti à pré-estreia de Bacurau, novo filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
Como o lançamento do filme nos cinemas está prevista apenas para o dia 29 de agosto, tentarei dar poucas informações sobre como a narrativa do filme se desenvolve e focar nas minhas impressões a respeito das questões políticas e sociais que me chamaram atenção no filme.
Mas é preciso dizer que Bacurau é uma cidade que fica no Oeste de Pernambuco e o filme se passa neste lugar, daqui a alguns anos. Ainda que Bacurau seja um lugar fictício, se parece muito com vários lugares reais do Brasil, sobretudo os lugares do sertão.
Para além disso, embora os estados do Norte e do Nordeste do Brasil, muitas vezes sejam retratados como lugares distantes, considerando o eixo Rio-São Paulo que é dominante na produção cultural do país, é perceptível notar que Bacurau tem questões que são presentes em outros estados como o descaso das autoridades em atender necessidades básicas de saúde e saneamento. Bacurau é uma cidade que sofre pela falta d’água e têm um prefeito pouco disposto a resolver isso, mais preocupado com sua próxima reeleição do que com a população local.
Apesar disso, Bacurau é um lugar com moradores unidos que trabalham coletivamente para resolução dos problemas dali. Bacurau, inclusive, tem um museu de preservação de sua memória. Gostei muito dos personagens-moradores de Bacurau, cheios de nuances e força para lidar com as adversidades cotidianas. A enfermeira, o professor, a dona do restaurante, as crianças, os jovens que saem de Bacurau depois voltam, os idosos. Vemos em cena, uma pluralidade de identidades, brancos, negros, mulheres, homens, pessoas trans. A produção do filme parece atenta às pautas atuais sobre representatividade.
Também no início já fica evidente que a população de Bacurau embora viva de poucos recursos também está conectada pela tecnologia, celulares e tablets são objetos comuns, inclusive na escola da cidade. A cena do professor dando aula de geografia e sua insistência em mostrar a distância entre Bacurau e São Paulo que as crianças estavam tão curiosas para saber, me tocou profundamente.
Mas episódios estranhos que não vou dizer aqui começam a acontecer em Bacurau e aí a narrativa do filme se desenvolve.
Li em algum lugar que Bacurau é um filme de faroeste. Em certa medida, até lembra os filmes de faroeste que já assistimos mas achei curiosa essa comparação porque a maioria dos filmes de faroeste que conhecemos são americanos, entretanto, a própria história do nosso país está atravessada por episódios de disputas territoriais, pistoleiros e sangue. Cito aqui a história de Lampião, por exemplo, o cangaceiro mais famoso e figura muito popular em várias regiões do Nordeste do nosso país e Os sertões, de Euclides da Cunha, sobre a Guerra de Canudos. Se atravessarmos um pouco mais o Sertão, podemos lembrar até do Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa.
Mas a exploração norte-americana se dá mais claramente, em outras partes deste filme que muito dialogam com o atual cenário político do Brasil e o debate sobre as políticas internacionais.
O contraste entre a imagem vendida do Brasil e a realidade social daqui também é um ponto de reflexão quando entram em cena turistas, de outras regiões do país, visitando Bacurau. O olhar do turista é incômodo e penso o quanto não reproduzimos isso o tempo todo diante do que é diferente. Há também a questão do turismo exploratório que tornam os lugares bons para os turistas, mas ruins para população local. Em algum momento, tenho essa impressão sobre como as autoridades enxergam Bacurau.
Muito pertinente também são as alfinetadas a respeito da divisão política-geográfica do Brasil e gosto muito de como o filme trata esta questão. Sabemos que existe desigualdade de distribuição de recursos dentro do país e daí vários conflitos por conta disso. Para quem é do Sul e Sudoeste e ainda não percebeu: a forma como as nossas regiões enxergam as outras, é escrota. São Paulo muitas vezes se acha o centro do mundo e isso pega mal nas outras regiões. O fato de que alguns lugares do país se reconhecem mais em relação aos Estados Unidos e à Europa, também está adoravelmente pontuado neste filme.
Bacurau é um filme violento. E por isso, acredito que represente tanto o Brasil porque o Brasil é um país violento. A violência é uma marca presente em todo o filme nos provocando a refletir sobre de onde, afinal de contas, a violência vem. E parece que ela vem de cima. E o filme não deixa tantas dúvidas a respeito, visto que mostra a violência sob várias faces, aquela que a mídia mostra e aquela que a mídia prefere omitir.
Tem muita cabeça degolada e a violência é um show fotografado por câmeras de celular, mas isso nem é tão novo, já vimos fotografias de cabeças cortadas e expostas algumas outras vezes e inclusive com o apoio do Estado. Curiosa é a figura do prefeito de Bacurau nesse contexto. Lembrei daquela famosa foto das cabeças do bando do Lampião expostas na escadaria da prefeitura de Piranhas pelo coronel que exibia as cabeças do bando como troféus. A cabeça torta da Maria Bonita, que era mãe e resistiu antes de ser decepada.
Há quem diga que o filme fala bastante sobre o ser humano. Também estou de acordo. O processo de desumanização também é presente nesta narrativa. É bom para pensar sobre o valor que a vida humana tem e como muitas vezes a nossa vida já está entregue.
Minha impressão é que Bacurau contribui muito para discutir o Brasil de hoje e aquele que poderemos ter daqui a alguns anos.
5 respostas
Olá!
Meu namorado está louco para ver esse filme, após diversas criticas que rolou na internet. Infelizmente não passou aqui na minha cidade, então vou ter que esperar ainda. A premissa é muito boa e o que gosto em filmes nacionais são as criticas que fazem ao próprio Brasil. Espero gostar bastante da obra também.
Silviane, blog Memento Mori • Participe do Top Comentarista de Outubro
Olá, muito tem se falado sobre o filme, mas eu não sabia ao certo sobre o que era a trama até ler seu post. Me parece ser uma história bem forte e com muitas semelhanças com a realidade do nosso país.
Nossa que texto babado … Parabéns, parece uma matéria jornalística.
Suas impressões me deram uma ideia mais completa do que esperar do mesmo, o trailer me pareceu meio viajado.
Enfim fiquei curiosa para ver, valeu demais pela indicação.
Não conhecia esse filme, mas me deixou realmente curiosa. Alfinetadas na divisão política-geográfica é algo importante mesmo de abordar. Vou tentar assistir em breve 😀 Dica anotada.
Beijos,
Blog PS Amo Leitura
O filme é realmente incrível e seu post fez jus a el, fico muito feliz quando encontro opiniões verdadeiras, que nos trazem conhecimento e informação, como o seu!
Parabéns!!