Nova edição de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis

Pode algo relevante ser escrito sobre Memórias Póstumas de Brás Cubas em pleno 2021? Muitos intelectuais podem argumentar que não; que tudo o que poderia ser abordado e analisado sobre os aspectos inovadores do romance — não apenas no estilo de escrita dentro das obras de Machado de Assis, como também no cenário literário brasileiro e latino da época — já foi escrito à exaustão. Já outros — e eu faço parte deste grupo — poderão argumentar que sim; que com o romance sendo redescoberto por novos leitores no Brasil graças à editora Autêntica, novos pontos de vista, novas nuances e novas interpretações interessantes surgirão.

Publicado originalmente em 1881, o livro conta a história da vida de Brás Cubas, curiosamente, após a sua morte. Já defunto, o protagonista escreve a sua autobiografia de forma não linear, e no processo nos apresenta ao seu grupo de amigos e parentes da elite carioca do século 19, suas tentativas fracassadas de obter algum sucesso na vida profissional e política — incluindo aqui sua formação em Direito em Portugal —, e pessoal — que conta com alguns de seus romances, inclusive uma relação amorosa com Virgília, uma mulher casada que no passado quase foi sua própria esposa.

Inovando com capítulos curtíssimos, o autor faz comentários sobre vários aspectos da época, sendo a escravidão, obviamente, um dos temas mais presentes. O autor escreve de forma gráfica os vários tipos de violências sofridas pelos escravizados, desde atos que aos olhos dos personagens brancos eram apenas uma brincadeira — quando criança, Cubas usava um garoto como cavalo (ocorrência que retorna adiante na narrativa de forma terrivelmente trágica) —, até punições severas e criminosas nos escravizados adultos. As descrições de atos violentos não se limitam aos seres humanos, aliás. Em vários momentos da narrativa nos deparamos com descrições de embrulhar o estômago de brigas de galo — prática que apesar de ter sido proibida na década de 1960, ainda insiste em ocorrer em diversas regiões do Brasil.

Em diversos momentos, infelizmente, eu não me senti completamente cativado pela escrita do autor — nas primeiras 50 páginas, por exemplo; e adiante, na reta final da narrativa. Obviamente não estamos diante de um livro ruim (não que eu precise fazer tal afirmação). Acredito, na verdade, que o livro possui seus melhores momentos quando o famoso personagem Quincas Borba — que ganha a sua própria história no livro homônimo publicado uma década depois de Memórias póstumas Brás Cubas—, surge na narrativa quando é apresentado por Machado de Assis, e posteriormente, quando esporadicamente dá as caras em momentos chaves.

Esta nova edição tem tudo para fazer sucesso entre toda uma nova geração de leitores brasileiros que poderão se maravilhar — caso estejam lendo o livro pela primeira vez — com o estilo ironicamente satírico que Machado de Assis parece escrever não só sobre a sua vida, como também sobre a sociedade carioca (e brasileira) do século 19.


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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