Resistência- Fernanda Rodrigues


Resistência
(por Fernanda Rodrigues)
Homens dizendo que somos guerreiras,
Que a nossa força vem da essência,
Mas quando gritamos a todo pulmão
O que somos, queremos, ambicionamos,
Passamos a ser traduzidas como histéricas.
Homens comprando flores, roupas, diamantes em uma data fixa do ano,
Enquanto nos outros 364 dias
Passam o tempo todo controlando:
O que você está comendo?
(Não pode engordar!)
O que você está sentindo?
(Roupa curta, decotada, é de puta!)
Com quem você está saindo?
(Mais de um é vadia!)
Homens nos felicitam e,
ao mesmo tempo,
nos associam ao ruim em tudo, todo tempo:
No trânsito: só podia ser mulher;
Toda nervosa? Tá de TPM!
É romântico? Coisa de mulherzinha!
Sentiu medo? Deixa de frescura!
Se sentiu fraco? Seja homem!
Mulher não pode ser amiga de mulher:
disso não sai nada de bom, eles dizem.
Muita mulher junta é confusão, eles dizem.
Não vejo amizade,
a falsidade sempre impera, eles dizem.
Repetem até a exaustão,
até que muitas de nós acreditemos que a nossa sobrevivência depende apenas deles, única e exclusivamente deles.
Eles nos violam psicologicamente,
Eles usam a força bruta.
A violência física se converte nos tapas,
Nas facadas,
nos tiros,
Se convertem nas mãos sufocando nossas bocas e pescoços,
no pau forçado por entre as nossas pernas.
Eles nos violam.
Eles nos matam.
Nos matam paulatinamente.
Mas nos matam.
Nos matam de forma abrupta.
Mas
nos
matam.
Tento buscar um pouco de oxigênio.
Não encho por completo os meus pulmões,
Ainda assim
respiro.
O ar é rarefeito,
contudo respiro.
Respiro.
Resisto.
Resistimos.
Juntas.
Nos pequenos e grandes gestos
resistimos.
Quando dizemos um “sinto muito”,
resistimos.
Quando vivemos a carga mental e, mesmo assim, damos o nosso melhor,
resistimos.
Quando somos românticas,
quando paramos de romantizar,
resistimos.
Quando unimos forças,
resistimos.
Quando criamos, fazemos arte,
resistimos.
Resistimos quando quebramos padrões.
Quando assumimos a liderança, resistimos.
Sendo donas de empresas ou casa, resistimos.
Quando temos filhos
e quando decidimos não tê-los,
resistimos.
Héteros, gays, cis ou trans.
Resistimos.
Resistimos até quando aceitamos os parabéns, as flores e os presentes.
Quando falamos das nossas dores,
Quando celebramos as nossas conquistas,
Quando ensinamos os homens,
resistimos.
Resistimos e resistiremos.
Sempre.
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Sobre Fernanda Rodrigues
Uma paulistana que ama gatos e café. Formada em Letras, pós-graduada no curso Formação de Escritores e Especialistas em Produção de Textos Literários e pós-graduanda em Docência em Literatura e Humanidades, publica no Algumas Observações desde 2006. É moderadora do Projeto Escrita Criativa e autora do A Intermitência das Coisas: sobre o que há entre o vazio e o caos (Editora Penalux, 2019).

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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