A equipe do blog Impressões de Maria torna pública sua lista de melhores leituras feitas durante o ano de 2019. Cada membro da equipe indicou cinco livros e duas menções honrosas. Uma lista diversificada e que transparece o perfil leitor de cada membro, com livros distintos, mas que assemelham-se por revelarem um maior número de autoras e autores negros.
Os livros já resenhados no aqui estão linkados no título.
O que primeiro me chamou atenção neste livro foi a capa: uma mulher negra com seu grande cabelo crespo. Ao ler, me encantei muito com a escrita da Stephanie Borges porque é cheia de metáforas e diz muito por meio de uma linguagem inovadora que une poesia e prosa ao mesmo tempo. São versos que parecem uma conversa. O livro estrutura-se de forma que resulta em um grande poema sobre cabelo e suas múltiplas formas de tratamento. Uma obra belíssima.
Entre o mundo e eu– Ta-Nehisi Coates
O livro é uma carta do autor para seu filho adolescente, relatando sobre suas vivências e entendimentos do que é ser um homem negro nos Estados Unidos. É um relato muito sincero, dolorido e comovente de um pai para seu filho, que fica dividido entre ser duro na criação do filho para prepará-lo para a dureza do mundo, ou ser carinhoso, pensando em romper a lógica de dureza da vida e do que espera-se das famílias negras. O pai se preocupa com a forma como o filho poderá vir a ser tratado, principalmente pela polícia. Neste livro, Ta-Nehisi Coates expõe seus medos e aponta o que é ser um corpo negro no mundo.
Marlon Pires Ramos me fez retomar meu amor pela poesia, não só a lida, mas também a escrita. Marlírico traz poesias que evidenciam as vivências de um eu-lírico negro, morador de Porto Alegre, que se ancora no amor, nos estudos, na valorização da beleza negra e nas leituras como elementos emancipatórios e empoderadores, por meio de uma linguagem única, de quem frequenta as ruas. A poesia de Marlon mobiliza sentimentos e foi ótimo mergulhar neste mar.
A conexão afetiva com o protagonista deste livro foi imediata. Patrice Lawrence construiu uma história muito verdadeira e destacou a realidade londrina do tratamento da polícia em relação aos negros, que, se paramos para refletir, é muito parecida coma norte-americana e com a brasileira.Com muita sensibilidade, neste livro podemos acompanhar a narrativa pela perspectiva de uma garoto negro de dezesseis anos, que vê na literatura e na música referenciais.
Durante o período colonial, o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, funcionou como um local de desembarque dos negros sequestrados em África para serem escravizados no Brasil. Neste livro, Eliana Alves Cruz revisita aquela época histórica pela ótica de uma africana escravizada e de um homem mestiço, em uma narrativa em que a linha entre ficção e realidade é tênue. Aprendi muito sobre a constituição do Rio de Janeiro escravagista e pude refletir sobre realidade visível e invisível aos olhos.
Menções honrosas
As poesias de Lilian Rocha versam sobre algo que me toca profundamente: a relação com o cabelo crespo e as múltiplas formas de lidar com ele por meio das tranças. O livro é organizado de modo que a há construção de uma narrativa na qual podemos acompanhar o crescimento e amadurecimento de um eu-lírico feminino, evidenciado pela forma como seus cabelos são tratados e também por suas vivências pessoaias e humanas. Foi uma leitura que me remeteu a boas memórias familiares.
Este é um livro composto por contos que me surpreenderam muito positivamente. A escritora Lindevania Martins é uma contista muito boa e construiu narrativas verossímeis, com personagens autênticos e que fazem refletir sobre questões relacionadas a violência de gênero. Conhecer a escrita de Lindevania foi uma grata surpresa neste ano.
Tecendo Memórias e Histórias– Marli de Fátima Aguiar
Neste livro, Marli resgata histórias e memórias de sua vida, tecendo fios que entrelaçam lembranças de sua infância e adolescência. O que eu achei muito interessante é o registro autobiográfico como ponto de partida para a expressão em prosa poética de temas que gosto muito como a ancestralidade. A Marli é uma narradora nata e esse livro, costurado artesanalmente por ela, é uma viagem deliciosa pelos lugares presentes na memória dela. Tem personagens encantadores e fotografias que ilustram as histórias.
Negra, nua e crua– Mel Duarte
Mel Duarte é uma das minhas maiores influências na poesia e conheço o trabalho dela com a poesia oral, sobretudo aquela que circula nos slams. Sempre tive curiosidade de conhecer a poesia dela no registro escrito e este livro cumpriu a minha expectativa. Produzido em 2016 e dividido em três partes, o livro reúne várias poesias que eu já havia escutado outrora e assim é possível conhecermos a estrutura da produção poética da Mel Duarte. Leia em voz alta.
Satélite– Carla Kinzo
Acompanho a produção literária de Carla Kinzo há algum tempo e inclusive tive a oportunidade de participar de oficinas de escrita com a autora. Portanto, este livro foi lido com muito carinho. Satélite é um livro de poesias delicado e com jogos de palavras surpreendentes. Gosto muito dos poemas sobre as xícaras e das ressignificações que a poesia da Carla Kinzo traz. A estrutura poética do livro me lembra um satélite mesmo, palavras que brilham ao movimentar-se de forma circular.
Sarau Asas Abertas: Mulheres Poetas: Penitenciária Feminina da Capital– Organização Coletivo Poetas do Tietê
Este livro é o resultado das oficinas do Sarau Asas Abertas, realizado na Penitenciária Feminina Capital. O que me encantou neste livro é a sua proposta: o coletivo Poetas do Tietê organizam um sarau e oficinas de poesia dentro da penitenciária e neste livro temos a produção das mulheres que lá estão. Além das poesias em língua portuguesa, o livro também traz poesias em inglês e espanhol, todas traduzidas. Constatamos assim que parte da população carcerária feminina não é brasileira e para além disso, podemos observar o papel que a arte pode ter em ambientes de liberdade restrita. Bem como o título do Sarau, este é um projeto que possibilita a abertura de asas para voar. Depois das poesias temos uma pequena biografia de cada mulher poeta, desta maneira, podemos conhecer um pouquinho mais sobre cada uma delas. Fiquei encantada com o despertar poético destas mulheres e com a potência da literatura que produzem.
Carta à rainha louca– Maria Valéria Rezende
Uma mulher presa em um convento escreve cartas á rainha Maria I, conhecida como Rainha Louca. Na carta ela relata situações de violência cometidas durante o período de colonização brasileira contra as mulheres e escravizados. Esta foi uma leitura desafiadora porque a Maria Valéria recria a linguagem da época, 1789. Aos poucos é possível nos aproximarmos da narradora e a leitura vai fluindo. Então, apesar de dura, é uma leitura deliciosa. Me encanta muito as passagens em que Isabel conta episódios relativos aos infortúnios vividos com Blandina, sua senhora, que se apaixona, e também os trechos em que a narradora relata como faz para conseguir escrever às escondidas. Além disso, é um livro que utiliza muito bem a ironia: há trechos das cartas que estão riscados como se não pudessem estar ali, trechos aliás, bastante reveladores a respeito da colonização brasileira e dos abusos que ocorriam nesta época.
Menções honrosas
Foi o primeiro livro, fruto de nossa parceria com as editoras e senti o que era isso: a possibilidade de receber um lançamento excelente e ainda poder conversar sobre isso. Kristen Roupenian nos mostra contos ácidos, sombrios e que na minha perspectiva tem como pontos centrais as relações afetivas, a sexualidade, a tecnologia e as questões de gênero. Muito gostoso de ler, me possibilitou muitas reflexões, não só por causa de sua temática, mas também pela forma ousada como Kristen escreve, experimentando vários pontos de vista diferentes.
Garota, traduzida– Jean Kwok
Narrativa em primeira pessoa, feita por uma garota que muda-se do Honk Hong para os Estados Unidos. É um retrato das condições precárias e da exploração vivida pelos imigrantes nos EUA. Apesar disso, é um livro otimista que apresenta uma vencedora diante de todas as condições adversas, alguém que consegue crescer estudando. Uma exceção, é claro. Mas é um ótimo livro para refletir sobre a desigualdade social, os mecanismos de exclusão, as fronteiras invisíveis presentes na sociedade. Além disso, a questão de imigração, apesar de focada em outro país, também é muito presente no Brasil. Um livro com traços autobiográficos e também muito interessante enquanto obra de ficção.
O Um defeito de cor era uma leitura que eu queria fazer há muito tempo. Não sei por que demorei tanto. Assim como também não sei por que, mas sempre soube que seria uma experiência que me arrebataria – e assim foi. Neste romance histórico e de formação, Ana Maria Gonçalves conseguiu nos entregar uma história de luta, que nos machuca, nos faz vibrar e lança um outro olhar sobre a história de nosso país. E ela o faz com uma habilidade técnica exemplar. Tudo muito bem pensado e respeitando a narrativa. Sem dúvida alguma, um romance que eu irei levar comigo por toda a vida.
O olho mais azul- Toni Morrison
Toni Morrison é assombrosa. Ao ler O olho mais azul, eu tinha constante sensação de que ela deixa todos os outros escritores que já li para trás. Morrison é dona de um texto bonito, elegante e simples. Não há floreios desnecessários. Não há nada fora do lugar. E isso tudo para contar a história de uma menina que é massacrada pela violência e pelo racismo. E o mais impressionante neste romance é a forma como a autora consegue humanizar seus personagens. O olho mais azul é um romance lindo e triste que nos faz entender o porquê de Morrison ser considerada uma das maiores escritoras que já existiram.
Não bastasse ser uma grande ficcionista, Morrison também era uma ensaísta de mão cheia. Em A origem dos outros, temos faceta crítica e questionadora de Morrison, o que nos lembra do quão importante é termos outras perspectivas ao ler o mundo. Tudo isso por meio de sua escrita maravilhosa.
Um Exu em Nova York- Cidinha da Silva
Assim que Cidinha anunciou o Um Exu em Nova York, as minhas expectativas foram lá para o alto. Primeiro, porque a Cidinha da Silva escreve demais; segundo, porque esse título é maravilhoso; e terceiro, porque a capa desse seu livro de contos é muito boa e ajuda a atiçar a nossa vontade. E qual não foi a minha felicidade ao ter as minhas expectativas superadas? Os contos do Exu são afiados, têm ginga, têm força! O livro só tem um defeito: é curtinho demais! É sério, gente. A minha empolgação é honesta! Leiam Um Exu em Nova York, leiam Cidinha da Silva!
Se a rua Beale falasse- James Baldwin
James Baldwin era um autor que há muito eu queria ler, mas a falta de seus trabalhos nas prateleiras brasileiras atrapalhava um bocado. Felizmente, desde o ano passado sua obra voltou a ser editada no país e no início deste ano Se a rua Beale falasse – seu romance que eu mais queria ler, diga-se de passagem – foi enfim publicado. Baldwin era incrível. Sem medo algum de enfiar o dedo nas feridas, ele nos entrega um livro que denuncia o racismo policial das corporações estadunidenses na década de setenta e que, infelizmente, não mudou nada nos dias de hoje.
Menções honrosas
A vegetariana- Han Kang
A vegetariana, de Han Kang, é um livro único. Dividido em três partes, conta a história de uma mulher que da noite para o dia decide parar de comer qualquer alimento de origem animal, o que acaba gerando diversos conflitos com os seus familiares. Numa trama que beira o terror psicológico, Han Kang nos deixa absortos com toda a violência que circunda o seu romance.
Luiz Ruffato é um dos melhores escritores brasileiros contemporâneos e em O verão tardio podemos identificar as qualidades que lhe conferem todo o respeito que tem. Em uma narrativa que acompanha um protagonista solitário e desiludido durante alguns poucos dias, Ruffato nos mostra como podemos estar ausentes mesmo com tanto a nossa volta.
2 respostas
Olá querida
Ando em tempos de leituras magras. Ano passado li pouco, mas li muita coisa boa. Anotei alguns títulos aqui que me chamaram a atenção.
Beijo
Vidas em Preto e Branco