“Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela”, de Leda Maria Martins

Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela é uma obra publicada em 2021 pela editora Cobogó, compondo a coleção Encruzilhadas. Escrita pela poeta, ensaísta, dramaturga e professora Leda Maria Martins, doutora em Letras/Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Artes pela Indiana University. A obra apresenta uma generosa reflexão sobre a performance do corpo em que o tempo dança. Trata-se de um marco nos estudos sobre as artes afro-brasileiras, consolidando-se a partir da encruzilhada e dos corpos forjados por cosmovisões africanas.

A ideia de tempo espiralar, que se curva para frente e para trás, de um lado para o outro, é desenvolvida ao longo de sete composições, que se dedicam a explorar, com profundidade, as múltiplas arestas do que a autora nomeia como artes negras. O tempo curvo é analisado cuidadosamente por meio de uma gama diversa de referenciais teóricos, que vão desde Hesíodo, na filosofia grega, até autores contemporâneos que se debruçam sobre a complexidade ontológica do tempo a partir de perspectivas africanas.

Para experimentar a não linearidade, a reversibilidade, a contração e a dilatação do tempo, na Composição I – Teosofias, tempos e teorias, Martins articula diferentes concepções temporais, friccionando-as com percepções afro-referenciadas. Diferentemente da noção ocidental de tempo, é pela performance do corpo e pela textualidade oral que se dá a sua materialização. Surge, então, o conceito de oralitura, que reivindica um espaço de elaboração existencial afrocentrado.

A Composição II – Os tempos curvos da memória busca fundamentar o tempo espiralar como um conceito ancorado na presença, articulando o individual e o coletivo em relação com a ancestralidade. Movida pela força vital que estrutura a cosmovisão negro-africana, a pesquisadora discorre sobre como, a partir da dispersão dessa força, foram produzidas inúmeras e diversas culturas.

Na Composição III – Poéticas da oralitura, a autora apresenta a cinética do corpo, relacionando-a à performance do corpo-imagem: tempo, rítmica e sonoridades. Com o horizonte de “dançar a palavra e cantar o gesto”, a composição convoca o leitor a visualizar a integração desses elementos que, nas culturas negras, se manifestam de maneira singular, uma vez que a palavra, em si, é um acontecimento.

Já na Composição IV – O meu destino é cantar: a gesta mitopoética dos Reinados, a autora aborda a relação entre palavra, cultura e modos de vida. Com o apoio de Tugny, destaca que:

“Cantos não devem ser tomados como metáforas e seus textos não foram sistemas dissociados das estruturas sonoras que se materializam.”

O canto, a musicalidade e o tempo rítmico aparecem aqui como atos de presença, conhecimento continuamente criado, transmitido e retransmitido pela oralitura da memória.

Encaminhando-se para o encerramento, a Composição VI – Um corpo-tela: uma poética vaga-lume inicia-se refletindo sobre a “expansão dos focos da negrura como possibilidade estética, invocação e episteme”. A autora discute a produção de linguagem na cena, especialmente no teatro, que se volta para questões da negritude, com o objetivo de reivindicar os corpos políticos que desejam transformações sociais.

Por fim, a Composição VII – Escrever o outro propõe uma reflexão sobre a experiência de escrever sobre outras pessoas, assumindo o risco inerente a essa abertura e instaurando novas pulsações textuais ao autor que se propõe a esse ofício.

As camadas teóricas elaboradas por Leda Maria Martins inscrevem, no tempo, uma abertura para a possibilidade de instaurar uma nova forma de compreendê-lo em relação à vida e à humanidade. A autora inicia uma conversa potente, com grande capacidade de conduzir o leitor a outra percepção de mundo, por meio do rompimento com os modos de pensamento ocidentais. Por vezes, o texto exige um tempo de metabolismo, dado seu vocabulário mais acadêmico e a densidade dos conceitos fundamentais ao pensamento da autora, apresentados com rigor e concretude.

Visando materializar um campo difícil de ser expresso em palavras, Leda Maria Martins constrói uma obra de enorme relevância para os estudos brasileiros de arte, especialmente aqueles que buscam outros caminhos para se relacionar com o tempo. Sua escrita instiga os corpos-pensamentos que desejam encontrar, no tempo, possibilidades de reconexão.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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