Contos e crônicas em “Olhos de Azeviche: Dez escritoras negras que estão renovando a literatura brasileira”

Olhos de azeviche é uma coletânea que reúne 20 contos e crônicas de 10 autoras negras, publicada pela editora Malê em 2017. Um livro que tem o objetivo de mostrar a pluralidade da literatura ao trazer vivências e subjetividades de mulheres negras em suas histórias, convidando à reflexão por meio de temas como perdas, denúncias de opressão, violência, envelhecimento, amores, identidade, solidão, ancestralidade, entre outros.

Em “Os meninos do Morro da lagartixa”, por exemplo, Cidinha da Silva traz uma denúncia dolorosa ao narrar o fuzilamento de 5 jovens negros pela polícia militar do Rio de Janeiro. Ela começa fazendo um paralelo com a música “Rap da felicidade”, contando que alguns dos jovens que estavam naquele dia no carro fuzilado tinham apenas 3 anos quando essa música, que fala sobre andar livremente no local onde nasceu, foi lançada. Assim ela conclui que “a liberdade de ir e vir não é facultada aos jovens negros, sequer na favela onde nasceram, como eternizou a canção”. (p. 25)

Fonte da imagem: Itaú Cultural

No conto “Arlinda” da autora Fátima Trinchão, conhecemos uma história carregada de ancestralidade, que conta um pouco da vida dessa mulher guerreira, filha de Iansã. Arlinda está no caminho de volta para sua casa e para um pouco para descansar antes de continuar a dura subida de escadas. É aí que começa a relembrar sua vida, narrando alguns momentos para aquele que ela chama de “seo moço”. O que deixa essa narrativa ainda mais gostosa é a impressão de que o “seo moço” na verdade é o próprio leitor. Arlinda deixa claro que “muitas foram as lutas, não poucas as batalhas” (p. 86), mas também expressa o amor que tem pela sua família, sua casa, sua comunidade, sua história e suas raízes.

Somos lembrados do sentimento de solidão carregado pela mulher negra em “A pretinha e o Pretinho”, de Taís Espírito Santo. O conto apresenta uma menina e um menino com a mesma cor de pele, mas que foram criados com narrativas diferentes. No primeiro caso, a menina ouve de seus pais o quanto é linda e o quanto sua origem, sua cor e seu povo são valiosos. Já o menino foi ensinado que tinha seu valor, no entanto, para ser devidamente reconhecido e validado diante da sociedade, era preciso ter relacionamentos com mulheres brancas. A história deixa aquele sentimento na mulher preta de que, nem aquele indivíduo que ela se identifica e se reconhece costuma enxergá-la como possibilidade afetiva, conforme mostra o trecho a seguir: “Já o pretinho não se reconhece, não sabe verdadeiramente quem ele é, gosta de samba de ‘coisas de preto’, mas da Pretinha ele não gosta. Não está acostumado com ela, não quer dividir a vida dele, pois lembra do que foi ensinado, desde pequeno, que a preta pode ser amiga, pode ser irmã, pode ser tudo, menos mulher.” (p. 146).

Em “Preta”, conto de Ana Paula Lisboa, temos uma história que representa saudade e lembranças. Trata-se de uma carta escrita para uma amiga que já faleceu. Nessa carta ela relembra momentos em que as duas viveram juntas e o quanto entrar em hospitais, mesmo quando as notícias são boas, ainda é difícil. Foi uma história que me fez pensar no quanto momentos vividos juntos pelas mesmas pessoas ficam marcados de maneiras distintas para cada uma.

Olhos de Azeviche traz, além dos contos citados acima, outros tão interessantes quanto eles, e me provocou sentimentos conflitantes. Foi a primeira vez que li um livro de contos e a sensação que alguns deles me provocou foi de reconhecimento. É interessante ler uma história em que você consegue se enxergar nos conflitos das personagens mulheres negras, isso aumentou minha vontade de conhecer cada narrativa e me faz lembrar o quanto cada história pode ser muito real.

Uma resposta

  1. Estou amando esse livro! O conto “Preta” me trouxe um turbilhão de sentimentos por situações que já enfrentei e confirmou a importância de ter o apoio e o amor da família e dos amigos nos momentos mais difíceis da nossa vida!

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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