Guerra às drogas e a manutenção da hierarquia racial- Daniela Ferrugem

Este livro é resultado da pesquisa de mestrado em Serviço Social de Daniela Ferrugem, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 2017, publicado pela Editorial Letramento em 2019.

A pesquisa é dividida em cinco capítulos, sendo que no segundo a pesquisadora aborda a questão das substâncias, das pessoas e as relações estabelecidas entre as duas, fazendo uma retomada histórica do uso de drogas ao longo do tempo e as modificações pelas quais as drogas passaram no que diz respeito aos seus usos. O terceiro capítulo discute o proibicionismo das drogas no Brasil e o quarto faz uma análise de documentos, revisão da literatura sobre o assunto e traz dados estatísticos, discutindo principalmente a criação da Lei de Drogas, em 2006.

“Uma política repressiva que consome recursos financeiros e que não reduz a oferta nem a demanda por drogas. A cada apreensão e incineração de drogas pela polícia torna-se mais visível o desequilíbrio entre repressão, produção e comércio” (p.51).

Para começar, Daniela Ferrugem faz uma pergunta instigante: “Quando decretamos guerra e as combatemos, são às substâncias que decretamos guerra?” (p.22). Essa pergunta será respondida ao longo da pesquisa e uma das respostas a que se chega é que não é uma guerra às drogas de fato, é uma guerra aos negros e pobres, porque há uma criminalização de quem faz uso e não da substâncias químicas em si, uma vez que se a pessoa for branca de classe média será taxada de usuária, enquanto se for negra e pobre, será vista como traficante. Ou seja, a guerras às drogas é uma forma de criminalização da pobreza e uma forma de genocídio da população negra.

Pesquisas como estas, que mobilizam e reúnem informações, contribuindo com o debate, são muito importantes para que a discussão seja ampliada e ocupe espaços acadêmicos, fazendo com que o senso comum reveja suas opiniões.

“Se não for superada a hierarquia racial, fundante na sociedade brasileira, não há como se buscar a superação da desigualdade social. Há que ser ultrapassada a dicotomia raça e classe, a classe não abarca integralmente a raça. Raça e classe são complementares, indispensáveis para se pensar as políticas públicas e a sociedade brasileira” (p.20).

Além disso, pensar a questão das drogas sob uma perspectiva racializada faz toda diferença, uma vez que é este grupo diretamente atingido pelas políticas de combate às drogas. Ao tomar raça e classe como categorias de análise, esta pesquisa encara a questão das drogas sob uma ótica interseccional e apesar de não ter como objetivo analisar a forma como o gênero tem influência, a pesquisadora também traz dados sobre o papel das mulheres nesta questão, principalmente no diz respeito ao aumento da população carcerária feminina.

Assim, esta pesquisa nos direciona para não pensarmos o uso das drogas por uma lente moral, taxando quem usa como dependente químico e nos fazendo atentar ao contexto de uso, que é determinante na relação que o usuário estabelece com a droga, porque enquanto a questão as drogas for discutida somente pelo viés da patologia, pouco se poderá avançar no debate. Por isso também, a pesquisadora opta pelo uso do termo “substâncias psicoativas” ao invés de “drogas”, que traz em si uma valoração negativa.

“Os blindados e tanques chegaram hoje onde as políticas de saúde, educação, lazer, saneamento básico, mobilidade urbana, emprego e renda não chegaram nos últimos 40 anos” (p.100).

Leitura mais do que indicada para quem quer entender mais sobre o assunto, esteja já inserido no debate ou começando agora. Também indico que assistam ao vídeo Cracolância, Guerra às drogas e Genocídio negro, do canal Afros e Afins, da Nátaly Neri, que é bastante complementar ao assunto tratado neste livro.

O livro pode ser adquirido no site da editora (Clique na imagem).

*Exemplar recebido em parceria com a editora.

10 respostas

  1. Que obra mais completa! Eu não conhecia o livro ainda e gostei muito de ver sobre ele, adorei a sua dica! Fiquei bem interessada em poder realizar a leitura, gosto de obras que nos trazem mais conhecimento.

  2. Tudo bem? Achei o tema interessante, pois esse foi um dos cursos que cogitei entrar quando estava prestando vestibular.
    Vou procurar o livro, pois quero saber mais sobre a pesquisa.
    Beijos.

  3. Bem, é no mínimo uma leitura interessante de ser feita, acredito que, assim como eu, muitas pessoas não tinham pensado nesse assunto por esse ponto de vista. Me sinto até envergonhada por isso, mas sempre é tempo de aprender e melhorar, não é mesmo? Ótima dica

  4. O livro parece muito interessante, principalmente por abordar o viés da relação entre drogas e hierarquia racial. É sempre bom ler obras que expandam nossos conhecimentos e nos façam refletir.
    Beijos
    Mari
    Pequenos Retalhos

  5. Olá tudo bem? Primeiro gostaria de dizer que está sendo um prazer conhecer seu espaço aqui na internet, em segundo lugar, só o título do livro já demonstra abordar uma temática intensa, adorei sua resenha e sem dúvida falar sobre esse assunto é complicado e necessário em diverso aspectos, só que já passou por algo parecido ou tem alguém que passa por isso sabe o quanto é complicado, interessante saber que uma pesquisa se tornou uma obra tão importante, espero ter a oportunidade de ler muito em breve!

  6. Fique curiosa para conhecer a escrita dela e ver como foi feita a pesquisa. Me interesso por esse tipo de leitura justamente para ampliar a visão sobre o tema. Gostei da resenha! Obrigada pela sugestão de leitura.

    Sai da Minha Lente

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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