O que é empoderamento?- Joice Berth

Ilustração de Anna Sudit. 

O que é empoderamento, de Joice Berth, é o terceiro volume da coleção Feminismos Plurais, que é coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro e publicado pela editora Letramento.


Nesse livro, a arquiteta e colunista do Justificando explana o conceito de empoderamento e para tal não deixa de expor que esse não é um conceito novo, pelo contrário, ele existe há  um bom tempo e em áreas diversas. É um termo que foi redescoberto recentemente, vide seu uso constante nos últimos tempos e que pode estar sendo usado de forma errada ou com os fins errados. Um trecho primordial para entender o que a autora entende como empoderamento é o seguinte: “Quando assumimos que estamos dando poder, em verdade, estamos falando na condução articulada de indivíduos e grupos por diversos estágios de autoafirmação, autovalorização, autorreconhecimento e autoconhecimento de si mesmo e de suas mais habilidades humanas, de sua história, principalmente, um entendimento, sobre a sua condição social e política e, por sua, vez, um estado psicológico perceptivo do que se passa ao seu redor. Seria estimular, em algum nível, a autoaceitação de suas características culturais e estéticas herdadas pela ancestralidade que lhe é inerente para que possa, devidamente munido de informações e novas percepções críticas obre si mesmo e sobre o mundo que o cerca, e, ainda, de suas habilidades e características próprias, criar ou descobrir em si mesmos ferramentas ou poderes de atuação no meio em que vive e em prol da coletividade” (p.14)

O livro tem início com uma introdução na qual a autora busca explicar o poder ao qual refere-se quando fala de empoderamento, partindo do pressuposto de que a palavra é um neologismo que significa “dar poder”. Para tal, recupera a definição de Hannah Arendt, que evidencia o caráter social e coletivo do significado da palavra na Ciência Política. Berth também cita Michel Foucault, que é outro estudioso que aborda a questão do poder, mas sua visão vai em sentido contrário ao de Arendt porque, para ele, poder é pensado em seu sentido mais histórico. Além desses intelectuais, a autora recorrerá à intelectual indiana Cecília M. B. Sardenberg e à pensadora afro-americana Patrícia Hill Collins que também conceituam o termo.

Estabelecido o sentido de empoderamento, a autora faz uma retomada histórica do surgimento e uso desse termo ao longo do tempo. Para isso, cita a pesquisadora Rute Baquero, principal nome ao se pensar em Teoria do Empoderamento e a acadêmica Barbara Bryant Solomon que aplicou a Teoria em sua área de atuação no serviço social, voltada para grupos oprimidos. A partir daqui, Berth então relembra o educador brasileiro Paulo Freire e sua Teoria da Conscientização, que foi precursora da Teoria do Empoderamento.

Depois da introdução o livro é dividido por capítulos intitulados “O pressões  estruturais e empoderamento: um ajuste necessário”, “Ressiginificação pelo feminismo negro”, “Estética e afetividade: noções de empoderamento” e é finalizado com as considerações finais e um vasto repertório de notas com todas as citações que apareceram ao longo do livro e por fim, as referências bibliográficas.

No primeiro capítulo, depois de pontuar a importância de se pensar em um feminismo interseccional, são abordados assuntos como silenciamento, economia, empreendedorismo da população negra e política, sempre pontuando que o empoderamento individual e coletivo devem andar juntos, uma vez que ninguém está isolado de um contexto social e que portanto, o empoderamento não é um processo solitário, ele é um processo coletivo.

O principal assunto abordado no segundo capítulo é o feminismo negro e o quanto mulheres negras sempre adotaram uma postura de resistência e enfrentamento, sempre pensaram em “estratégias de enfrentamento ao sistema racista e redes de solidariedade” (p.73). Então percebemos que ao longo da História as mulheres negras sempre estiveram pensando em estratégias de empoderamento para a comunidade, de modo que esse certamente não é um conceito novo para elas. 
Nesse capítulo, novamente a autora recupera Paulo Freire para abordar o quanto bell hooks foi influenciada por seus pensamentos para desenvolver o que é chamado de “pedagogia interseccional”. Berth destaca o quanto as ideias do pensador estão presentes no livro Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, da teórica estadunidense.

Joice Berth

A forma como a estética influencia no empoderamento é discutida no terceiro capítulo. Para tal, a autora recorre ao conceito de belo e de como muitas vezes o que enxergamos como belo pode ser fruto de uma percepção condicionada por uma sociedade que privilegia certos padrões de beleza e exclui outros. Nesse sentido, empoderamento nessa área, quando se pensa em pessoas negras, tem muito mais a função de resgatar a beleza que sempre fomos condicionados a não enxergar em nós ou incentivar nossa capacidade de nos vermos como belos também. 
A autora detém-se em explicar como o cabelo de mulheres negras é alvo constante de ataques racistas, esteja ele alisado ou natural: “Parece-me então, muito coerente os discursos e narrativas de enfrentamento do racismo vigente que exaltam os cabelos como elementos de orgulho racial, pois amá-lo significa cuspir de volta na boca do sistema racista todas as ofensas, rejeições, exclusões que nos são direcionadas ao longo de toda uma vida” (p.95).

Portanto, o empoderamento pela estética é individual, mas acaba refletindo diretamente no coletivo, principalmente quando paramos para pensar sobre questões de representatividade. No entanto, a autora destaca que só a valorização da estética negra não é suficiente para tornar um indivíduo empoderado se o mesmo não tiver consciência racial crítica, principalmente em relação ao sistema capitalista, que ao vislumbrar potenciais clientes no público negro, começa a voltar-se para esse público, mas visando somente o lucro e não o empoderamento de fato. 
Em um momento anterior a autora havia salientado que é preciso tomar cuidado para não cair no esvaziamento de sentido do termo: “O empoderamento enquanto prática social necessária no ápice de seu cooptação e distorção tem sido literalmente vendida sobretudo por aqueles que almejam manter o status quo formador de acúmulos e desequilíbrios sociais. Esse fenômeno social cria clãs micro-opressores que não tem condições psicológicas para conduzir outros indivíduos pelos caminhos processuais de autodescoberta sociopolítica, simplesmente porque nem ao menos buscaram erradicar dentro de si mesmos as internalizações perversas do sistema de opressão a que estão expostos” (p.83) (grifos da autora).


Ao finalizar essa leitura adquiri grande referencial teórico e entendi que empoderamento é não só um termo conceitualizado, mas é principalmente algo que pode ser posto em prática, não para benefício de um indivíduo, como também para benefício de um coletivo, considerando que estando imerso em uma sociedade, ninguém se empodera sozinho, sem ser influenciado por fatores externos a si. Além disso, conheci diversas intelectuais feministas negras que ainda não conhecia, que sempre pensaram o feminismo negro por uma perspectiva interseccional. Portanto, O que é Empoderamento? é uma leitura indispensável para quem quer ser levado a pensar criticamente sobre esse conceito e seus usos ao longo dos anos, principalmente dentro do movimento feminista negro interseccional.
Essa publicação e coleção da editora Letramento certamente é um marco para a sistematização e entendimento de conceitos aparentemente comuns, mas que possuem uma carga mais profunda de significado. O melhor de tudo é que são livros acessíveis, tanto no preço quanto na linguagem, que mesmo sendo acadêmica, não deixa de ser compreensível.

*Exemplar cedido em parceria com a editora. Acesse o site para garantir o seu, clicando aqui

4 respostas

  1. Oi Maria, lindona. Faz tanto tempo que não venho te visitar. Que bom que vim quando tem um post tão incrível quanto esse. Menina, que livro, ein. Acho que é o primeiro que vejo que fala tão diretamente sobre o que é o empoderamento. Deve ter sido uma leitura enriquecedora. Já quero.
    Um beijo enorme

    Vidas em Preto e Branco

  2. Olá, tudo bem?

    Não conhecia a obra, e gostei de conhecer um pouco lendo sua resenha. Sei o "superficial" sobre empoderamento, mas esse parece trazer um conhecimento melhor. Deve enriquecer mais e ajudar quem ainda acha que isso é "mimimi". Anotei a dica, e espero ler em breve para conhecer e entender melhor.

    Beijos.

  3. que série linda, quero muito ler!
    Só pelo titulo já sei que vou amar, pois sou a rainha das causas sociais e do empoderamento kkkk esse tipo de leitura muda a gente de uma forma que não da nem pra descrever né?!
    Adorei sua resenha, ficou linda!

  4. Oiii, não conhecia o livro e ao ler a sua resenha percebi que ainda sei muito pouco sobre o tema, parabéns pela resenha e com certeza vou ler o livro!

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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