Diário de leitura Um Defeito de Cor (Capítulo 3)

Chegamos ao fim da quinta semana de leitura conjunta e lemos integralmente o capítulo 3. O diário de leitura do segundo capítulo foi escrito por C. Coelho e postado originalmente no blog Livre Narrativa, mas também encontra-se aqui no blog.


No final do capítulo anterior, acusada de bruxaria pela sinhá Ana Felipa, Kehinde é expulsa da senzala pequena e mandada para a senzala grande. Os negros escravizados eram divididos de modo que uns ficavam na senzala pequena e trabalham na casa-grande e os que ficavam senzala grande trabalhavam no campo ou na pesca de baleias. As senzalas são bastante diferentes: “Mesmo para uma criança de dez anos, ou, talvez, principalmente para uma criança de dez anos, era enorme a diferença entre os dois mundos, como se um não soubesse da existência do outro. Um outro mundo dentro do mesmo, sendo que o de fora, a senzala grande, era muito mais feio e mais real que o de dentro, a senzala pequena” (p.111) (grifos meus).  Na senzala grande é designada para trabalhar na fundição do baleeiro, colocando gordura das baleias para derreter até virar óleo. Um trabalho altamente perigoso que era feito por crianças, resultando em diversas queimaduras.

Algo diferente nesse capítulo é que Kehinde tem a oportunidade de sair da ilha e ir para a cidade de São Salvador com a Nega Florinda para encontrar uma pessoa importante: Agontimé, mulher que foi rainha em Daomé, no Benin, mas foi vendida para ser escravizada no Brasil. No entanto, seu destino estava traçado para que cultuasse voduns no Maranhão. Durante a viagem de ida é interessante ver a cidade pelos olhos de menina impressionada com as construções, com as ruas, com as pessoas e a movimentação. Tudo é novidade para ela.


Na medida em que Kehinde vai crescendo e seu corpo vai ganhando formas, o sinhô José Carlos passa a prestar mais atenção nela e por conta disso é mandada de volta para a senzala pequena, “visto que era bastante normal que os senhores se ditassem com as escravas e as senhoras aceitassem sem reclamar” (p.153). O estupro de escravas por parte de seus senhores, que as veem como objetos, que se sentem verdadeiros donos de seus corpos, é comum e por mais que Kehinde tente fugir, acaba passando por uma experiência bastante traumática nesse sentido. Ela tinha só doze anos, mas a idade nunca foi um impeditivo para as atrocidades da escravidão. Tem algumas injustiças, brutalidades, que sã naturalmente vingadas e isso é que diminui um pouco a raiva que é despertada ao longo da narrativa.

O capítulo também aborda o momento em que houve a independência do Brasil de Portugal, em 1822 e os desentendimentos entre brasileiros e portugueses em decorrência disso. Nesse sentido, é um capítulo historicamente rico, além de nos fazer conhecer de forma bastante pormenorizada o funcionamento de um engenho.

Essa leitura conjunta foi proposta no Instagram da Ale Magalhães (@literaleblog). Em seu perfil ela está postando semanalmente sobre o livro e quem está fazendo a leitura conosco está usando a tag #LendoUmDefeitodeCor para mostrar suas considerações.
Inicialmente, o diário de leitura era um projeto meu e da Camila Coelho, do blog Livre Narrativa, que deu a ideia de revezarmos as postagens em nossos blogs, no entanto, por motivos pessoais não conseguirá dar prosseguimento, de modo que continuarei escrevendo os diários sozinha.

Uma resposta

  1. Nossa, foi muito tenso pra mim ler a parte do estupro da Kehinde. Desde o estupro em si até em relação a todas as coisas e pessoas envolvidas no momento. Também, durante a narrativa, me surpreendeu o interesse da Ana Felipa com o filho da Kehinde. Tô sentindo que a véia vai roubar a criança pra ela, e já tô triste 🙁

    Uma coisa que também está me impressionando muito são as semelhanças entre "Um defeito de cor" e "Viva o povo brasileiro", do João Ubaldo Ribeiro. Ainda quero escrever sobre isso com calma, depois de terminar o livro, mas já fica a indicação, caso tenha em interesse em ler num futuro próximo!

    Ótimo diário de leitura. Não os escrevo mais, mas vou acompanhando por aqui. Abraço!!

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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