A poesia de Oswaldo de Camargo em “30 poemas de um negro brasileiro”

Foto da imagem de Clarissa Di Ciommo.

30 poemas de um negro brasileiro é uma antologia poética inédita de Oswaldo de Camargo publicada em 2022 pela Companhia das Letras. A obra conta com prefácio integral de Florestan Fernandes, originalmente publicado em 15 Poemas Negros lançado pela Associação Cultural do Negro. A antologia reúne poemas de O estranho (1984) e da antologia Luz e breu (2017).

Oswaldo de Camargo estudou música e humanidades e em boa parte de sua carreira dedicou-se à literatura no meio jornalístico e cultural. Como homem negro que saiu de Bragança Paulista, se deparou desde muito cedo com a condição do negro em ambientes majoritariamente brancos. Sua escrita soa como a reverberação das dores causadas por esse contexto, provocando profunda identificação com o leitor que mergulha nos impasses internos verbalizados pelo autor.

30 poemas de um negro brasileiro revela o sabor agridoce da experiência do escritor. A obra segue um fluxo que caminha pelo que chamo de movimentos. No primeiro movimento, o autor vai de jogos metafóricos e belos à travessia de uma camada carregada de dor que muda o tom da leitura de uma linha para outra, em oposição há a apresentação de relações de poder enquanto raça e classe na sociedade.

“Encontramos a esperança

toda em pranto debulhada…

E nos perdemos na noite,

não achamos alvorada;

queremos subir na vida,

não encontramos escada…

E estamos diante de vós,

pranteando o não sermos nada…”

(Excerto de “A modo de súplica”)

Oswaldo de Camargo expõe o drama psicológico e moral da pessoa negra, ecos que ressoam em vários poemas que são frutos do abismo de sua classe somado a sua negritude, expondo a dificuldade de sair do lugar “destinado” ao negro, considerando que, ainda que seja uma boa pessoa e um bom profissional, não detém nenhuma ferramenta do sistema ao seu favor, pois sua cor de pele estampa como um grito às condições que cerceiam a vida de um negro e as oportunidades que ele terá. 

“A noite, a grande noite está pousada em mim

escandalosamente!”

(excerto de “A manhã”)

Existe outro movimento na obra que estimula a afirmação através do resgate da ancestralidade. Há versos em que o autor exalta a África e o seu território se mostrando saudosista, apresentando ao leitor um lugar de retirada da posição exclusiva da angústia. 

Seguindo para o final do livro, identifico um movimento marcado por um elemento que considero muito precioso: o sonho. Que é apresentado como uma ferramenta de propulsão da mobilidade do negro, ainda que o grito pela necessidade de cultivar o sonho seja inaudível para a sociedade. Os últimos poemas percorrem o enaltecimento identitário personificando a África como uma mãe que em função da diáspora perde seus filhos no percurso. Camargo busca no território o resgate da memória enquanto povo e coletividade.

 “Como sonhei, falar, sozinho, a minha mamãe África

 e oferecer-lhe, em meu peito, nesta noite turva,

 o meus pertences de vento, sombra e relembrança,

 o meu nascimento, minha história e o meu tropeço,

 que ela não sabe, nem viu, e eu sendo filho dela!”

(Excerto de “Oferenda”)

Sem abandonar a narrativa da dor ele elucida também o que realmente acontece com gente preta no Brasil, expõe a face perversa da necropolítica, com o poema “A bala que matou Ninico”.

“A bala achou Ninico!

Era fria, dura, burra,

cuspia raiva

quando ninico passou

E o dono gritava,

debaixo do dia aberto:

‘que fosse de encontro ao mundo!’ ,

fizesse acerto

com tudo o que ele odiava.

A bala achou Ninico!

‘Mais um!’ , o ódio cantava.

Ler a antologia poética de Oswaldo de Camargo é como estar no balanço das ondas do mar: leve e firme. 30 poemas de um negro brasileiro é o tipo de livro que deve ser mastigado e digerido em doses homeopáticas, já que suas entrelinhas evocam a identificação no lugar mais subjetivo das reflexões, que demandam tempo e metabolismo para serem materializadas em palavras. Sua poesia com toda certeza é um fomento à possibilidade pensar de outras visualizações de sociedade, partindo do um ponto de vista individual.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

R$ 5.829/mês 72%

Participe do Clube Impressões

Clube de leitura online que tem como proposta ler e suscitar discussões sobre obras de ficção que abordam assuntos como raça, gênero e classe, promovendo o pensamento crítico sobre a realidade de grupos minorizados.