O que é lugar de fala?- Djamila Ribeiro

Com a ascensão das redes sociais começou a haver uma banalização e deturpação do conceito de lugar de fala e surgiu o equívoco de confundir esse conceito com representatividade, quando na verdade não se trata disso especificamente. Há tendência a polarizar a discussão, mas é preciso entender que todas as pessoas falam a partir de um lugar. Mas o que é este lugar? Esta é a questão que este livro buscará responder.

A autora, ativista e Mestre em Filosofia Djamila Ribeiro, inicia trazendo um pouco de contexto histórico, apresentando os percursos de luta das mulheres negras e conceitos trabalhados por feministas negras até que se chegue na definição concreta. Desse modo, o livro está dividido pelos seguintes capítulos: “Um pouco de história”, “Mulher negra: O outro do outro”, “O que é lugar de fala” e “Todo mundo tem lugar de fala”.

A primeira feminista negra que nos é apresentada é Sojouner Truth. Ela foi uma abolicionista afro-americana que é conhecida principalmente por seu discurso “E eu não sou uma mulher?”, feito de improviso na Convenção dos Direitos da Mulher, em 1851. Sua luta foi principalmente para que as mulheres negras fossem vistas como seres políticos. Nesse momento da história, há o início de uma luta contra a universalização da categoria mulher e a luta por um feminismo interseccional, que leva em consideração não só gênero, mas também raça e classe.

“Se não se nomeia uma realidade, sequer serão pensadas melhorias para uma realidade que segue invisível. A insistência em falar de mulheres como universais, não marcando as diferenças existentes, faz com que somente parte desse ser mulher seja visto” (p.41).

No segundo capítulo, a autora nos apresentará o que a feminista francesa, Simone de Beauvoir, cunhou como a categoria do Outro, em seu livro “O Segundo Sexo”, de 1949. Ela entende que se pensa a mulher não pelo que ela é, mas a partir do homem, então a mulher seria o outro. Partindo dessa perspectiva, para a escritora Grada Kilomba, a mulher negra seria o outro do outro, isso nos faz perceber que  a epistemologia dominante sempre parte do homem.
Djamila Ribeiro vai se ancorar bastante no que a filósofa indiana Gayatri Spivak elucida em seu livro “Pode o subalterno falar?”. Entende-se que é bom a busca por uma multiplicidade de vozes, de modo que não só as pessoas socialmente prestigiadas e favorecidas devam ter direito a voz, mas também que as próprias pessoas desfavorecidas possam ter espaço para falarem de suas realidades.

“A reflexão fundamental a ser feita é perceber que, quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida”. (p.43)

Ao término deste livro, o leitor vai ter aprendido muito e conhecido diversas pensadoras e feministas negras, vai entender a necessidade que as mulheres negras tiveram de se auto definirem porque o branco sempre pensou em si mesmo como universal e isso resulta na deslegitimação da vivência do outro.

Pessoalmente, foi uma leitura muito agregadora, conheci vários conceitos e muitas pensadoras que não havia tido contato antes, como Patrícia Hill Collins, Grada Kilomba, Léliza Gonzáles e bel hooks.

É um livro pequeno somente no tamanho, porque no conteúdo é muito grande, recheado de embasamento teórico. Seu formato de bolso permite o fácil transporte, como também uma leitura rápida e fluída, ainda que alguns conceitos se apresentem com uma linguagem demasiadamente acadêmica. Apesar disso, é um livro bem didático e de fácil acesso, principalmente por ser vendido a preços populares, que é a proposta dessa coleção Feminismos Plurais, da qual este é o primeiro volume e nos faz pensar que se o primeiro livro da coleção é tão bom os demais seguirão com a mesma qualidade.

*Exemplar cedido em parceria com a editora. Acesse o site para garantir seu exemplar (clique aqui). 

31 respostas

  1. Tudo bem?
    Não conhecia esse livro.
    Achei a temática do livro muito interessante e válida, pois realmente com o "bum" das redes sociais tivemos esse problema "de lugar de fala".

    Bacana poder saber um pouco mais sobre feministas que eu não conhecia, esse é sempre um tema e assunto do meu interesse.

  2. Olá, tudo bem?

    A obra parece ser bem esclarecedora do tema. Eu mesmo tenho muito medo de, ao falar sobre algo, tomar o lugar de fala de alguém. Vou colocar a obra na lista de leituras. Ah, você viu que a autora vai lançar um novo livro chamado "Quem tem medo do feminismo negro?"? Parece também um livro muito bacana.

    Até logo,
    http://www.decaranasletras.com

  3. Oi, tudo bom?
    Não havia lido ou visto nada sobre essa autora e obra. Gostei muito de conferir suas impressões, e é bacana trazer tanto conhecimento em poucas páginas 😊

  4. oieee, eu também li esse livro e que extraordinário, entrou para lista de leitura para meus alunos, simples, direto e urgente, assim o defino. Hoje a autora dará uma entrevista no Canal Brasil, espero que assista. Parabéns pela escolha da obra, o mundo precisa conhecer.

  5. Maria eu amei as suas impressões e conhecer este livro e autora foi realmente um prazer. Ela trata de tema absolutamente relevante que precisa ser “enfrentado” e discutido. Aliás, o lugar da mulher está sendo discutido há décadas e precisamos sim nos posicionar e dizer a que viemos.

    Bjo
    Tânia Bueno

  6. Olá, eu estava mesmo curiosíssima para ler uma resenha desse livro da Djamila, parece ser um livro muito bacana que traz um assunto importante para os dias de hoje. Ótimo post.

  7. Oi!
    Já tinha ouvido falar do livro, mas esta é a primeira resenha que leio. Me pareceu ser uma leitura bastante válida e interessante. Vou deixar a dica anotada.
    Beijos

  8. Oi, tudo bem? Conheço a Djamila de nome, mas nunca li algo dela. Com certeza, é um livro que me interessa muito. Meu TCC foi sobre feminismo e eu teria adorado incluir este livro na minha bibliografia, pois pouco usei materiais nacionais. Uma coisa que a Marcia Tiburi fala em "Feminismo em comum" é que, além do lugar de fala, há também o lugar de ouvir e o lugar da dor e descobrir este último conceito, em especial, foi entender um passado (e um presente) feminista muito apagado, como é o caso das mulheres negras. Muita gente acha que o feminismo é algo por si só sem nunca ter lido que outros movimentos (como os grupos anti-racistas e os lgbts) ajudaram demais e que, se fosse o feminismo pelo feminismo, talvez nem estivéssemos conquistado certas coisas.
    Vou procurar esse livro, com certeza! Eu amo demais teoria feminista e é sempre ótimo encontrar novas produções.
    Adorei, aliás, que a coleção se chama "Feminismos Plurais", porque o pessoal ainda acha que o feminismo é um só, né, quando o que existe de verdade são feminismos.
    Amei seu post e amei conhecer essa obra! <3

    Love, Nina.
    http://www.ninaeuma.blogspot.com

  9. Eu estou curiosa com esse livro há um tempo e acho que deve ser uma leitura que nos traga conhecimento, gostei muito de conferir a sua opinião sobre ele e espero poder ler também.

  10. Eu to namorando esse livro tem um tempao. Acompanho a Djamila pelas redes sociais e sei que a atuação dela nessa área foi importante para o meu entendimento sobre diversas coisas no movimento negro. Espero ler o quanto antes e que seja uma leitura tão boa quanto foi pra ti.

  11. Olá!
    Essa deve ser uma dica bem interessante pra leitura, principalmente pra estudar. Confesso que o enredo não faz meu estilo de leitura preferida, mas achei interessante pelos temas que aborda e acho importante cada vez mais falar e trazer pra debate o Feminismo pra que mais pessoas possam entender realmente seus conceitos.
    Com certeza é uma leitura muito rica e me agradaria sair da zona de conforto pra ler.
    Beijos!

    Camila de Moraes

  12. Olá, tudo bem?
    Confesso que eu não conhecia esse livro, mas fiquei curiosa para ler porque ele traz um tema muito relevante e que precisa ser discutido. Acredito que seria uma ótima forma de aprender mais e conhecer novas pensadoras.
    Não sei se lerei em breve, porque é uma leitura que foge muito do meu estilo e eu estou com uma pilha de livros atrasados aqui. Mas já anotei a dica e lerei assim que possível.
    Beijos!

  13. Olá, como vai?
    Eu gostei muito da sua resenha ela foi muito esclarecedora para mim, lendo os comentários descobri que essa autora está lançando um livro sobre o Feminismo Negro, o que para mim ainda é algo novo.
    “A reflexão fundamental a ser feita é perceber que, quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida”. (p.43)
    Quando li essa frase que você retirou do livro muitas coisas me vieram a mente, principalmente por causa das grandes criticas que os negros estão enfrentando nas redes sociais ultimamente. Agora se um negro reivindicar o direito da fala ou falar babaquice ou vira motivo de risada.
    Resumindo preciso ler esses dois livro dela com urgência, agradeço por tê-los me apresentado.

    Beijos e abraços
    http://vickyalmeida.blogspot.com.br/

  14. Gosto muito da forma que vc faz análise/resenha. É claro , objetivo e inspirador. Mais um livro que adicionei na lista de desejados. Tão importante e essencial <3 Não tenho o costume de ler o gênero, mas quero (e preciso) sair da minha zona de conforto . Obrigada pela sugestão <3

    Sai da Minha Lente

  15. olá… essa leitura parece ser realmente incrível… super importante trazer mais conteúdo do tipo e eu não conhecia essa coleção… proposta bacana que já me deixou curioosa sobre os títulos que vem a seguir…
    gosto da Djamila… espero ter a chance de ler em breve…
    bjs…

  16. Ola
    Impressionante o que podemos agregar em conhecimento com um livro tão pequeno. Seu tamanho deixa confortavel de transportar.
    Leituras do tipo deveriam ser mais recomendadas, não são leituras ao acaso, mas nos fazer ver muitas coisas com outros olhos.
    Gotei do post e já vou indicar para muitas pessoas.
    Bjus

  17. Oi, tudo bem?
    Eu não conehcia esse livro ainda e confesso que não costumo ler livros assim, mas fiquei bem curiosa, porque é uma leitura que deve ser altamente interessante e também é importante, né? Bom, eu vou marcar a dica, acredito que há muita coisa que o livro pode ensinar para o leitor e também muita coisa para nos fazer refletir.

    Beijos :*

  18. Li a resenha e senti a maior necessidade de pegar meu exemplar aqui, não fiz praticamente nenhuma marcação nele, só uma na página 77 que é assim: "(…) podemos falar sobre tudo ou somente sobre o que nos é permitido falar?". Esse livro foi a porta de entrada pra que eu tomasse consciência de várias outras pensadoras também. Acho que Djamila fez isso de maneira proposital, pra que a gente passe a conhecer visões pra além do que já está dado. Confesso que eu tenho que reler porque foi uma leitura super ansiosa, acho que não aproveitei como devia… mas algumas coisas ficaram na minha cabeça, principalmente a questão do lugar de fala e a descolonização do conhecimento.

  19. Oi Maria, que livro maravilhoso e que resenha maravilhosa.
    Esse é sem dúvida um livro necessário para os temas atuais onde tanta gente tem aberto a boca pra falar besteira, sem empatia e sem pensar em consequências.
    Uma leitura instrutiva e que com certeza vai tirar muita gente da zona de conforto.
    Já preciso do meu exemplar.
    Beijoooos sua linda ♥

  20. Ainda não li nada da Djamila e é importante fortalecer e apoiar esses trabalhos.

    Para o sorteio: sigo o blog no GFC e no instagram, além de seguir as editoras no instagram também:)

  21. Eu facilmente poderia citar esse livro em uma redação. A proposta do livro e a temática que ele abora são temas bastante atuais e que aos poucos tem ganhado seu espaço. Minha professora de sociologia abordou ele algumas vezes esse ano em sala.

  22. Maria!
    Na minha concepção, esse é um daqueles livros que deveriam ser obrigatório nas escolas, porque pode-se aprender muito sobre como começou ou como foi o início da luta das mulheres negras. Deve ser uma leitura estimulante e agregadora mesmo.
    cheirinhos
    Rudy

  23. Acho muito importante conhecer a vivência pelas palavras de cada um que faz parte da história. É muito fácil falar de uma realidade vista de fora. A luta da mulher sempre se mostrou árdua, quando pensamos na mulher negra, sabemos que dificuldades ainda maiores foram enfrentadas. A voz dessas mulheres foram importantes para cada uma das conquistas que temos hoje.

    Evandro

  24. Interessante e pra mim, uma grande novidade. Me senti um pouco perdida, acredito que entendi o miolo mas o título me deixou boiando. Nunca li nada sobre lugar de fala, mas pela resenha me pareceu ser indispensável para o desenvolvimento da sociedade. Espero ter oportunidade de lê-lo.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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