Lua de sangue é a terceira série que começo da autora N.K. Jemisin. A primeira que li foi a trilogia Terra partida, cujos três livros receberam importantes prêmios de literatura, como o Hugo, o Locus e o Nebula. Foi através dessa autora que, pela primeira vez, mergulhei em universos de fantasia com personagens negros, o que me faz sempre voltar às suas histórias. Desta vez, conheci a narrativa de Lua de sangue, uma duologia de alta fantasia com elementos de ficção científica, lançada no Brasil em 2022 pela editora Morro Branco, com tradução de Aline Storto Pereira.
O universo criado em Lua de sangue é bem diferente do que costumamos encontrar na maioria das fantasias. A história se passa em um mundo inspirado no Egito Antigo, onde a magia está profundamente ligada aos sonhos. O cenário principal é a cidade-estado de Gujaareh, governada por um príncipe, mas com a magia controlada pelo Hetawa. Esse local é o centro físico da vida espiritual de Gujaareh, funcionando como uma instituição religiosa que adora a deusa Hananja, associada aos sonhos, à morte e à vida pós-morte.
O Hetawa acolhe crianças que manifestam o dom da deusa, educando-as para, no futuro, se tornarem coletores. Os coletores são responsáveis por guiar as almas das pessoas para a terra dos sonhos (Ina-karekh), onde os mortos vivem pela eternidade. Durante esse ritual, eles extraem o “sangue onírico”: uma pequena parte é retida pelo coletor, enquanto a maior parte é usada na manutenção geral do Hetawa, como na cura de doenças.
O Hetawa recebe pedidos de pessoas que não querem ver seus entes queridos sofrerem com doenças incuráveis ou morrerem em agonia. Contudo, esses pedidos também são feitos para executar pessoas consideradas corruptas pelo reino e pelo próprio Hetawa.
A história começa com Ehiru, um coletor que recebe a ordem de coletar a alma de uma pessoa considerada corrupta. No entanto, durante o ritual, a vítima revela informações perturbadoras, o que compromete o processo e expõe Ehiru a um lado mais sombrio da magia. Paralelamente, conhecemos Sunandi, uma diplomata da cidade de Kisua. Embora Kisua também adore a deusa Hananja, considera o ritual de coleta um assassinato, já que as pessoas não têm escolha sobre sua passagem para a terra dos sonhos.
Sunandi, que na verdade é uma espiã, vai a Gujaareh para obter informações. Ao descobrir isso, o próprio príncipe de Gujaareh ordena ao Hetawa que realize a coleta de Sunandi. A tarefa é confiada a Ehiru, que parte acompanhado de seu aprendiz, Nijiri. O encontro com Sunandi faz com que ambos comecem a questionar a pureza e a integridade do Hetawa.
Lua de sangue é um livro muito peculiar. Confesso que, inicialmente, tive dificuldade em me apegar aos personagens, mas a construção do mundo me prendeu. Fiquei curiosa para entender como a magia funcionava e acredito que muita coisa ainda será revelada no segundo livro. Um dos aspectos mais marcantes da narrativa é o conflito interno de Ehiru. Tudo em que ele acredita é colocado em dúvida, e seu sofrimento é palpável. Esse elemento foi crucial para que eu me conectasse com ele aos poucos.
Ao final da leitura, me deparei com páginas onde a própria N.K. Jemisin se entrevista. Achei genial! Ela faz perguntas que, acredito, gostaria que os entrevistadores lhe fizessem, e isso me ajudou a compreender melhor a história.
Uma das perguntas que Jemisin faz a si mesma é se todos os personagens do livro são negros. Ela responde: “Gujaareh foi baseada no antigo Egito. O Egito, apesar do que meu livro de geografia do ensino fundamental tentava me dizer, fica na África; portanto, seu povo é africano. Mas ‘africano’ não tem uma aparência fixa, da mesma forma que ‘asiático’ ou ‘europeu’ não têm”. Ela conclui dizendo que as pesquisas sobre o antigo Egito sugerem que era uma sociedade multirracial, multilíngue e multicultural, algo que ela procurou retratar na história.
Por fim, espero que essa resenha desperte sua curiosidade para conhecer a duologia Lua de sangue e inspire você a explorar os diversos universos criados por N.K. Jemisin.