Enterre seus mortos – Ana Paula Maia

 

Texto por Mayra Guanaes
 
Enterre seus mortos parece desagradável, mas muito interessante e bem construído literariamente. Parece desagradável porque seu protagonista Edgar Wilson é um homem cujo trabalho é remover animais mortos que ele encontra pela estrada e depois colocar os cadáveres na máquina de moer.
Nas primeiras páginas me perguntei se conseguiria chegar até o final desta leitura por causa das descrições dos animais sangrando vivos, atropelados e terminando seus últimos instantes de quase vida em uma máquina de moer. Entretanto, ao chegar na página 11 decidi ler o livro até o fim porque neste momento já havia me dado conta da potência narrativa que a escritora Ana Paula Maia demonstra neste livro.

O conflito no cotidiano de Edgar Wilson, um homem simples que executa tarefas, logo aparece quando ele encontra o corpo de uma mulher na mata. A polícia não possui recursos para recolher o corpo e Edgar Wilson decide transportar o cadáver clandestinamente até o depósito.

O que mais me chamou a atenção nesta leitura é o fato de Edgar Wilson e Tomás, seu colega de profissão, não se sentirem abalados diante da morte, mas demonstrarem uma humanidade enorme em se preocupar com o enterro do cadáver humano. Tem uma cena em que um abutre bica o olho da mulher morta e Edgar Wilson atira nele.
Ana Paula Maia, autora de muitos livros que pretendo ler
Enterre seus mortos me deslocou muito da minha realidade e mexeu muito com a minha imaginação. Essa narrativa não apresenta dados específicos sobre a época e o lugar em que ocorre e foi um exercício preencher estes espaços dentro da minha cabeça. Em muitos momentos, eu pensei: eu nunca havia imaginado uma cena assim e imaginei agora com este livro.

Na verdade, achar esta narrativa desagradável foi apenas a minha primeira impressão porque eu não só recomendo este livro, como estou com vontade de reler e estou curiosa para conhecer os outros trabalhos da Ana Paula Maia.

Desagradável é a podridão do mundo em que vivemos. O processo para enterrar um corpo parece tão burocrático que foi inevitável não lembrar das dificuldades burocráticas do meu próprio cotidiano. Também há o fato de constatarmos muitas vezes que a vida parece ter pouco valor, principalmente para o Estado genocida. Por causa disso, é que talvez eu tenha gostado muito deste livro, eu fiquei tocada com a humanidade que senti na resolução do conflito pelo personagem Edgar Wilson, este “homem simples que executa tarefas”. Sabemos que muitas tarefas de extrema importância são executadas com uma humanidade exemplar justamente por pessoas como Edgar Wilson. 

 

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19 respostas

  1. Não conhecia o livro, de cara achei impactante. Talvez, não tenha coragem de encarar a leitura rs. Pela sua resenha me parece ser muito bem escrito, com uma narrativa que envolve o leitor 100%.

  2. Esse livro parece ser muito interessante e adorei as reflexões resultantes da leitura sobre a questão da vida e morte, tão pertinentes nos dias atuais. Já o coloquei em minha lista. Não conhecia a autora, mas já estou pesquisando sobre.

  3. Já tinha ouvido falar deste livro, uma amiga me indicou e li resenhas, confesso que estava um pouco inquieta e sem tanto interesse no livro. Mas gostei muito deste texto e o que me chamou atenção e deu vontade de ler o livro foi essa pequena reflexao do texto: "Desagradável é a podridão do mundo em que vivemos". Grata por compartilhar.

  4. Já tinha ouvido falar do livro e sempre achei o enredo muito interessante. Mas confesso que sempre fiquei adiando a leitura por receio de ficar mal.

  5. A capa e as resenhas desse livro sempre me chamaram atenção, mas sempre adiei a leitura!
    É doido como não lidamos bem com a morte e atinge cada um de formas diferentes. Já adicionei na lista!

    Amei a resenha ❤️

  6. Fortíssimo! Só pela indicação já fiquei arrepiada. Seu texto me fez lembrar de Necropolítica de Achille Mbembe.

  7. Oii,
    Não conhecia a autora, nem o livro.
    Mas achei ele super original e curioso.
    Pelo jeito, de uma forma angustiante, traz tanta coisa à tona, nos faz refletir tanto, repensar no que estamos fazendo da nossa vida no dia a dia.
    bjs

  8. Ai Maria… eu anoto todas as suas indicações, mas essa creio ser um pouco demais pra mim. Não conseguiria sequer chegar à pagina 11… Mas se você fizer um vídeo sobre terei todo o prazer em assistir.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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