Esse Cabelo- Djaimilia Pereira de Almeida


“Esse cabelo- A tragicomédia de um cabelo crespo que cruza fronteiras”, primeiro romance da autora luandense que se mudou ainda criança para Portugal, vai tratar exatamente da história de um cabelo crespo e de como ele intersecciona esses dois países, Angola e Portugal, tendo como base a experiência pessoal da autora.

Muito do que a autora conheceu de Portugal foi nas suas andanças à procura de salões de cabelereiros que conseguissem alisar seu cabelo ou pelo menos torná-lo mais socialmente aceito. Isso é bem cruel, ainda mais quando se é tão nova e somos obrigadas a nos enquadrarmos dentro de uma estética padrão para sermos aceitas, no caso, a estética branca, na qual cabelos lisos são imperativos.
A partir da consciência de um cabelo crespo quando o padrão são cabelos lisos e a constante tentativa de alisá-los para se enquadrar em um padrão não tão fácil de atingir, o livro vai tratar desse percurso de tentativa de encaixe e o percurso de tomada de consciência de que não é preciso mudar para se encaixar, que é preciso aceitar-se como é. 

“A casa assombrada que é todo o cabeleireiro para a rapariga que sou é muitas vezes o que me sobra de África e da história dos meus antepassados” (p.11)

Paralelamente à história de seu cabelo, a autora relembra episódios de sua infância e histórias de sua família.
O livro também vai tratar da questão racial no que diz respeito à ascendência, busca de identidade e de raízes. Neta de uma avó branca e de outra negra, ela é um meio-termo entre essas duas cores e tudo que isso implica.
O título surge da fala de uma das avós, que perguntava “Então Mila, quando é que tratas esse cabelo?”, uma fala que deixa claro o preconceito em relação ao cabelo crespo da neta, o que evidencia um certo tom de desprezo e distanciamento em relação ao cabelo.

“Uma pessoa não precisa de quase nada para conservar em si um fogo aceso, um motivo para se rir”. (p.47)

Não fosse a barreira do idioma, ainda que português, mas luso, acho que teria aproveitado e entendido melhor o livro. Tive que ler as primeiras 60 páginas pelo menos duas vezes para que a leitura engatasse, mesmo assim, algumas expressões fugiram ao meu entendimento.
Mas sem dúvida é uma história original, no sentido de ser bem pessoal, de tratar da experiência da autora em relação a seu cabelo crespo, seu processo de auto aceitação como mulher negra e tudo que isso implica, principalmente a aceitação de sua estética negra, que tem expoente principalmente no cabelo, o que acredito que faz com que muitas mulheres de cabelos crespos se identifiquem em alguns momentos.
Achei impressionante que a autora tenha tantas lembranças da infância e que as tenha resgatado para a composição deste livro.

Capa portuguesa
Por fim, não poderia deixar de falar da minha experiência pessoal com meu cabelo também. No fundo, acho que as pessoas que têm cabelo crespo acabam tendo uma história muito parecida.
Desde criança, houve uma tentativa de alisá-lo. Durante o ensino fundamental, meu sonho era ter cabelo liso, ele foi alisado algumas vezes, mas nunca me senti feliz com o resultado, não gostava de como ele ficava com as pontos arrepiadas e de como ele quebrava. Até que, no último ano do ensino médio, decidi que não alisaria mais, que aceitaria e assumiria meu cabelo como ele realmente é. No primeiro ano da faculdade, tive várias crises porque não é um processo fácil, a gente pensa no que os outros estão achando do nosso cabelo, ele não fica como queremos, é difícil de arrumar, consome tempo. Agora, no terceiro ano de faculdade, nós já estamos bem, já experimentamos um monte de cortes, não nos importamos com o que os outros pensam.

É um processo lento, mas que transforma e liberta profundamente.

*Exemplar cedido pela editora.

21 respostas

  1. Comecei a ler na livraria e cheguei ao capítulo 2 com um pouco de dificuldade em entender algumas coisas por conta do português luso também. Impressionante como essa temática, que fala de experiências tão singulares, são sentidas de jeito tão intenso pra quem também vivencia esses processos. Estou me vendo no relato da Djamila e também no seu.

  2. Gostei, parece bem interessante. Pretendo ler ☺️. Chamando a atenção a um erro que vc talvez não tenha reparado, no princípio da resenha você fala de como
    O cabelo crespeo intersecciona dois países, Luanda e Portugal. Luanda, não é um país, é uma cidare, a capital de Angola!!

  3. Fiquei com vontade de ler o livro, acho esse tipo de texto tão necessário! Pesa tantas coisas sobre a pele negra e o cabelo crespo, há tanto que precisa ser desconstruído e texto assim ajudam.

  4. Leitura muito interessante.
    Eu acho cabelo uma coisa muito particular e sim, passamos por muitas fases, mas no final, tendemos a sempre aceitar nossas raízes.
    Não sou negra, mas meus avós são/eram, então meu cabelo é bem difícil.
    Também passei pela noia de alisar, mas hoje em dia eu deixo eles naturais. Não adianta dar murro emponta de faca e cachos são coisas lindas!
    Acho que temos que nos aceitar mais e pararmos de dar ouvido aos outros. Somos lindas quando nos sentimos linda.
    Deixa o cabelo ser feliz! <3
    Dica anotada.

    Beijo!

    #Ana Souza
    https://literakaos.wordpress.com/

  5. Antes de mais nada, você é linda, seu cabelo é lindo. Quando criança, meu maior sonho era ter o cabelo cheio de cachos. Pra falar a verdade, meio que ainda é. Acho lindo e cheio de personalidade. Não que eu não tenha passado pela fase do liso, porque eu passei. Hoje eu aceitei ele. Ainda mexo na cor? Mexo, mas é que me identifico mais com o cabelo vermelho que com o cabelo castanho. Talvez um dia isso mude, mas por enquanto é assim que é.
    O livro parece bem interessante. Ontem vi um vídeo da Duda Fernandes falando sobre transição capilar e tem um momento que ela fala que foi somente na transição que ela percebeu que o cabelo dela fazia muito parte de sua identidade. Acho que nosso cabelo diz muito sobre a gente.

    Vidas em Preto e Branco

  6. Olá! Eu achei lindíssima a temática do livro! Assim como a personagem da história, também tive meus problemas com meu cabelo cacheado. Problemas de aceitação interna e externa, pois a princípio apenas os cabelos lisos (ou alisados) são socialmente aceitos. Adoro livros com a temática da questão racial e a história realmente me pareceu bem original. Vou colocar em minha lista de leitura agora mesmo.
    Beijos!
    Karla Samira
    http://pacoteliterario.blogspot.com.br/

  7. A história parece interessante, mas não leria o livro. Entendo as necessidades de haver mais livros nessa pegada, mas pra mim q sempre liguei o botão foda-se pra opinião alheia sobre mim ou o meu cabelo, não me parece ser uma leitura tão interessante. Entretanto tenho certeza de que a dica será produtiva a quem interessar.

    Raíssa Nantes

  8. Olá, tudo bem?

    Não conhecia essa autora e nem sua obra, mas achei fascinante. Vou anotar a dica para quem sabe em breve lê-lo. E sério que teve dificuldades ao ler em português luso? Ano passado li uma obra nesse idioma e fluiu tão bem. Não sou fluente, mas consegui entender bem a história.

    Beijos

  9. Ola lindona não conhecia o livro, adorei o tema, pois há muita ditadura com o cabelo crespo, nem todos o aceitam, acho lindo pessoas que usam o cabelo como gostam sem se intimidar com padrões. Fiquei muito curiosa com o livro. Dica anotada. beijos

    Joyce
    Livros Encantos

  10. Oi,
    Então não conhecia esse livro achei interessante. Esse esquema de cabelo realmente é complicado ao contrário meu cabelo é liso e eu sempre queria fazer os "cachinhos" para ocasiões especiais como comunhão e tal e nunca consegui.rs. Parece que sempre estamos procurando algo que não é o que temos,hoje em dia desapeguei também e acho que cada pessoa tem sua beleza única. Gostei que você relacionou com sua própria história também. rs
    Beijos
    Raquel Machado
    Leitura Kriativa
    http://leiturakriativa.blogspot.com

  11. Oie!

    Sempre que vejo livro ou escuto pessoas falando sobre cabelos eu fico pensando: porque raios elas tem que meter o bedelho em algo que é tão lindo quanto um cabelo crespo!? Sério, o meu é cacheado e amo ele, pensa ter um bem crespo que lindo seria!? *–* Nunca entendi exatamente o porque dessa aversão ao cabelo crespo que as pessoas tinham antigamente, e ficar alisando só por causa do que os outros pensam é algo que eu não faria, sla seria a rebelde da época, meu cabelo é quem eu sou, ninguém manda nele a não ser eu u.u

    BJss

  12. Nossa, como ainda não conhecia esse livro? Super amei!
    Sempre sofri com a questão do cabelo, e realmente a sociedade coloca um padrão de que o liso é o aceitável. Graças a Deus hoje me aceito como eu sou e solto meu cachos hahah
    Queria ver a experiência da autora. Super amei a dica.

  13. Oie!
    Acho que muitos também pensaram ou fizeram um alisamento no cabelo para se enquadrar no padrão da sociedade. Hoje eu não quero mais, gosto do meu cabelo enrolado, acho muito bonito ele ser diferente.
    Ainda não tive a oportunidade de ler esse livro, mas fiquei bem interessada.
    Bjks!
    Histórias sem Fim

  14. Oiii tudo bem??

    É bem legal o tema, acredito que hoje as mulheres já estão se aceitando melhor, e além do que o cabeço crespo cacheado é muito bonito.
    Pena que o livro é um português de Portugal, o que atrapalhou um pouco, mas adorei a resenha.
    Bjs Rafa

  15. Assistindo uma seria na tv, me deparei com uma situação que cabe bem a esse tema. Resumidamente existem dois tipos de mulheres: as de cabelo liso e as de cabelo cresto mas não no sentido de cabelo em sim, mas nas atitudes. As de cabelo liso são metódicas, sem muita atitude, previsíveis já as de cabelo cresto "assumido" são cheias de atitude, desbravadoras,fora dos padrões e ousadas. é sempre muito dificil assumir atitudes e cabelos "fora do padrão", mas quem faz isso tem uma baita realização.

  16. Olá!

    Sim, o português luso é complicado mesmo. Já tinha ouvido falar no livro, mas não conhecia a história. Realmente é interessante, todo mundo tem uma história pra contar a respeito do cabelo, não somente as que tem crespo, pode acreditar.

  17. Heiii, tudo bem?
    Cabelo é algo super importante para todos!
    Os homens podem até nao admitir, mas sempre olham para o cabelo da mulher e entram em desespero qdo ficam carecas.
    Ainda nao conhecia o livro e já fiquei interessada pelo tema e ainda mais que a autora conta coisas proprias, o que deixa o livro bem autentico.
    Adorei a dica.
    Beijos.

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  18. Ola flor, tudo bem? Que livro magnifico! Meu cabelo não é crespo, é um cacheado cheio, eu passei toda a minha adolescência com ele preso. No terceiro ano do ensino médio resolvi alisar. Ano passado desisti de tentar deixar ele igual ao "dos outros" e cortei bem curto e se enrolar a vontade. Hoje estamos de bem haha.
    Nossa, o que a autora deve ter passado…
    bjus

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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