Confusão, mortes, reviravoltas, detetives e uma crescente sensação de paranoia. Adicionamos a isso uma variedade de personagens sedentos por vingança, chantagistas, capangas, uma mãe desesperada para salvar a vida dos filhos, e um protagonista debochado, inteligentíssimo e com um soberbo talento nos disfarces. Eu poderia estar escrevendo sobre a série Lupin da Netflix, sucesso mundial protagonizada por Omar Sy, mas, na verdade — pelo menos por enquanto — estou me referindo a um livro estrelado pelo personagem que Omar Sy se inspira para cometer seus próprios crimes: Arsène Lupin e a rolha de cristal, publicado no Brasil pela editora Principis, com tradução de Michele Gerhardt MacCulloch.
O enredo de Arsène Lupin e a rolha de cristal acompanha as consequências de uma tentativa de roubo catastrófica em que um mordomo é assassinado, e como resultado, dois ajudantes de Lupin são presos e condenados à guilhotina; sendo um deles, um rapaz de apenas 20 anos que jura ser inocente. Desde que o autor estabelece os detalhes iniciais da história somos apresentados a um sem número de personagens, cada um a seu modo, acompanhado de uma carga emocional traumática e particular.
Em certos momentos a real intenção dos personagens começa a ficar nebulosa — bem como o caráter de cada um —, de modo que ficamos sem saber em quem confiar — ou se alguém é de fato digno de confiança. O fato de o autor não se contentar com a já saturada quantidade de pessoas perambulando por suas páginas, e acrescentar mais personagens à medida em que o passado de cada um é explorado faz com que a paranoia de cada um deles se transporte para a mente do leitor, já que Lupin precisa descobrir o motivo de uma simples rolha de cristal ser tão desejada por todos. Não obstante, uma subtrama é adicionada quando uma lista contendo o nome de 27 políticos e policiais corruptos é revelada estar dentro da tão cobiçada rolha. Logo, em um piscar de olhos qualquer um passa a ser suspeito do desaparecimento da rolha de cristal.
Aos que já são familiarizados com a literatura pulp, os detalhes complexos acima em nenhum momento serão considerados pontos negativos, uma vez que a complexidade beirando à loucura em tramas labirínticas é o que transformou em clássicos livros como O sono eterno, O longo adeus e Adeus, minha querida (todos de Raymond Chandler). Basta lembrar de quando o diretor Howard Hawks estava adaptando Sono eterno em 1946, sem conseguir descobrir no livro quem era o assassino, ele resolveu ligar para Raymond Chandler em pessoa, que respondeu perplexo que não fazia a mínima ideia. O que prova que em livros assim a atmosfera criada pela trama é mais importante do que a trama em si.
Em última análise, escrever sobre obras como Arsène Lupin e a rolha de cristal sem revelar detalhes importantes é uma tarefa quase impossível, já que LeBlanc constrói a história usando camadas de informações como alicerces que são tão frágeis quanto a índole de seus personagens. É seguro dizer, entretanto, que o romance é perfeito para quem se considera fã de literatura pulp. ou mesmo Agatha Christie — e se somos team Miss Marple ou team Poirot pouco importa. Gosta de Philip Marlowe, Sam Spade e Sherlock Holmes? Esse livro certamente irá te agradar. Ouso arriscar que os livros protagonizados por Arsène Lupin também podem ser fortemente indicados aos fãs de filmes como Missão Impossível e James Bond, visto que a engenhosidade dessas duas franquias podem ser encontradas em abundância no universo lupiniano criado por Maurice LeBlanc.
Você gosta do conteúdo criado pelo Impressões de Maria aqui no blog, no Youtube, Instagram e demais redes? Gostaria de apoiar este trabalho? Você pode fazer suas compras da Amazon usando o link do blog sem pagar nada a mais por isso, ou apoiar o projeto Leituras Decoloniais no Catarse. Obrigada!