“Pensam sempre os homens de letras e os artistas terem o espírito incompleto e desequilibrado. Não o podem ter de outra maneira!” – Oscar Wilde
Publicado originalmente em 1891, A Decadência da Mentira e Outros Ensaios é uma longa jornada intelectual formada por quatro ensaios em que o autor não facilita a leitura em nenhuma das linhas. À sua maneira característica — e em várias ocasiões através do diálogo socrático — o autor escreve sobre uma variedade de tópicos; buscando (ou culminando) sempre algum tipo de discussão sobre os problemas morais e filosóficos da sociedade: os benefícios da mentira, a questão natureza versus arte e imparcialidade da crítica. Wilde também indaga: seria o crítico de fato tão artista quanto o criador da arte que critica? E de forma pertinente somos intimidados a decidir se devemos separar a arte do artista. Por último, mas não menos importante, no ensaio, intitulado “A verdade das máscaras”, usando Shakespeare como ponto de partida o autor de O Retrato de Dorian Gray discorre sobre a importância do figurino e dos profissionais responsáveis por essa arte de criar autenticidade nas peças de teatro do Bardo. Não preciso dizer que como um obcecado pelo estudo do simbolismo do figurino em filmes, e pela minha admiração por trabalhos como Noite de Reis, Henry V e Richard III, esse último ensaio foi um dos meus favoritos.
“Nenhuma incompatibilidade existe entre existe entre o crime e a cultura intelectual” (p.74)
Existe um método eficaz para usarmos quando precisamos separar a arte do artista? Como podemos — ou melhor, devemos — dilacerar essa simbiose intrínseca à nossa moral e aproveitarmos uma obra de arte independente da índole do artista? Esses são os questionamentos gerados em nossa mente graças às palavras profundamente intelectuais de Oscar Wilde no segundo ensaio, intitulado “Pena, lápis e veneno”. Como fã de rap convivo diariamente com esses questionamentos, uma vez que para poder apreciar o gênero é preciso, na maioria das vezes, caminhar por uma estrada espinhosa composta de batidas envolventes, masculinidade tóxica cisheteropatriarcal, letras homofóbicas e misóginas em 90% do tempo; já como fã de cinema é impossível esquecer dos crimes cometidos por Roman Polanski, ou das acusações de Woody Allen enquanto assisto seus filmes. Para muitos, o esporte é considerado um tipo de arte, e é deveras sabido que os fãs de esportistas — ao menos os preocupados com essas questões — também são bombardeados com pensamentos similares, uma vez que não são poucos os casos de atletas consagrados acusados de uma variedade de crimes como estupro, assédio e até mesmo assassinato.
Apesar de ter entendido a importância das questões abordadas no livro, devo admitir que os ensaios são construídos por Wilde de uma forma que pode afastar o leitor médio, uma vez que existe uma infindável quantidade de citações, seja a pintores, autores, livros (e seus personagens), escultores, etc. Portanto, não é um fato isolado que uma mente do mais alto calibre intelectual tenha escrito sobre personagens intelectuais falando de forma intelectual sobre tópicos filosóficos. Autores como Spinoza, Goethe, Shakespeare e Robert Louis Stevenson são alguns dos autores citados — muitas vezes indiretamente, visto que Wilde às vezes apenas cita uma obra ou um personagem sem os citar de fato). Entre os pintores temos obras de William Turner, Dante Gabriel Rosseti e William Blake. Assim como escrevi na resenha de Let Love Rule, prefiro entender a enorme quantidade de citações não como um ponto negativo, mas sim como uma oportunidade para conhecer artistas novos, ou obras inéditas de artistas com quem já sou familiarizado.
Gostaria de destacar algumas ideias bastante pertinentes apresentadas pelo autor, e que poderão gerar futuras discussões acaloradas entre amigos uma vez que a pandemia terminar. Sobre o papel do crítico, por exemplo, ele escreve que “É justamente por não poder um homem criar uma coisa, que ele lhe serve de bom julgador” (p. 141). É muito comum ouvir artistas que, após uma crítica negativa, reagem de forma amarga dizendo que “quem não tem talento para criar torna-se crítico”. Ao falar sobre o resultado que uma obra de arte tem em cada um de nós, por exemplo, Wilde nos avisa que só existe um modo de apreciar a arte verdadeira: esquecer qualquer que tenha sido os sentimentos do artista e usar nossas lembranças e nossas paixões, nossas decepções e nossas experiências de vida como fio condutor de uma nova experiência. Experiência essa agora recém nascida em um mundo completamente novo.
Editora: Principis
Revisor: Ciro Araujo
Tradutor: João do Rio