India Morgan Phelps, Imp, é a protagonista deste livro. Ela vem de uma família em que a mãe e a avó suicidaram-se para fugirem da esquizofrenia e Imp herdou essa doença delas, de modo que também é esquizofrênica. Mas Imp resiste, faz tratamento com uma psiquiatra e toma remédios.
O livro é narrado em primeira pessoa por Imp, em uma narrativa que não segue uma linha cronológica, com o objetivo de mostrar como a mente dela trabalha. Desde o começo, ela avisa ao leitor que não é uma narradora confiável, porque nem ela mesma tem certeza se o que está escrevendo aconteceu mesmo ou é apenas invenção de sua cabeça, então cabe ao leitor acreditar ou não no que está lendo. Inclusive, o livro é tão cheio de referências que o leitor chega muitas vezes a duvidar de que não seja tudo real, mas tem algumas delas que são fictícias, só que postas de uma forma tão natural que parecem reais. Se o leitor tiver interesse em pesquisar, irá se surpreender.
Dentro do narrativa, Imp escreve um livro para tentar por em ordem seus pensamentos e contar suas história de fantasmas, que aqui tem um sentido mais amplo, sendo tudo aquilo que nos assusta, que personifica os nossos medos mais profundos. Os fantasmas de Imp são sereias, lobisomens e Eva Cannig. Esta última entrou na vida da protagonista de um modo um pouco estranho: estava nua em frente a um lago durante a noite. Sem pensar em sua namorada Abalyn, Imp a levou para sua casa. Episódio que fragilizou o relacionamento das duas.
“Sempre há um canto de sereia que te seduz para o naufrágio”.
Tem um capítulo que é muito marcante. Em uma tentativa de colocar ordem em seus pensamentos e entender os últimos acontecimento, Imp para de tomar seus remédios, para de ir na psiquiatra e se tranca em casa. O resultado é que ela tem uma grande crise. O leitor imerge dentro do funcionamento da mente da personagem durante essa crise e conseguimos sentir a confusão mental em que a personagem se encontra. De modo que, ainda que cada pessoa tenha reações diferentes, dá para ter uma grande noção de como é a mente de um esquizofrênico em crise. É desesperador e sufocante.
O livro é bom porque a autora tem domínio do assunto, seja a esquizofrenia ou as relações amorosas entre duas mulheres. Tudo isso sem ser forçado, de um modo convincente. Consegue contar a história como uma esquizofrênica, mesmo ela não sendo. Além disso, a namorada da protagonista é trans e essas questões referentes a sexualidade são trabalhadas de modo natural, sem estereótipos, não como se fosse algo anormal. Até porque, uma vez que a autora também é lésbica e trans, ela sabe do que está falando.
É comum ver esse livro classificado como horror, mas na realidade está mais inclinado para a fantasia. É uma história fantástica, em todos os sentidos que essa palavra possa ter.
Neil Gaiman sabia o que estava dizendo ao afirmar que “poucos escrevem como Caitlin”.