Publicado no Brasil pela Galera Record, com tradução de Regiane Winarski, Na hora da virada é mais um livro de Angie Thomas que vem para selar seu lugar como uma ótima escritora de livros protagonizados por adolescentes negras, que precisam enfrentar problemas marcados fortemente pela questão racial.
Brianna, ou Bri, é uma adolescente de dezesseis anos que sonha em fazer sucesso como rapper e com isso proporcionar melhores condições financeiras para sua família, que no momento passa por dificuldades com a mãe desempregada e o irmão, formado com honras no ensino médio e graduado na faculdade, tendo que trabalhar em um subemprego para garantir o mínimo de sustento em casa.
O pai de Brianna foi assassinado quando ela era apenas uma criança de cinco anos, então tudo o que sabe sobre ele é o que as pessoas falam, já que ele foi um rapper que fez muito sucesso no bairro, o que também acabou atraindo a atenção das gangues e resultando em sua morte. Esse acontecimento fez com que a mãe de Brianna começasse a usar drogas e ficasse impossibilitada de cuidar dos filhos, de modo que eles precisaram ser criados pelos avós. A narrativa acontece oito anos depois que a mãe retornou e recuperou totalmente a guarda dos filhos. Mas será que o episódio de seu afastamento pode ser esquecido sem deixar sequelas?
A história é ambientada nos Estados Unidos, em um bairro chamado Garden Heights. Bairro conhecido por ser periférico, comandado por gangues, com forte presença de drogas e que sofre violência policial. Graças a um programa de bolsa de estudos para alunos negros e latinos, Bri estuda em uma escola particular em outro bairro considerado mais rico. Claro que isso é uma questão, porque Bri sente que é visada na escola, sendo mandada constantemente para diretoria por questionamentos que se fossem feitos por alunos brancos, não teriam a mesma reação dos professores. Além disso, os alunos sentem que os seguranças da escola implicam mais com os negros e latinos.
É impressionante a facilidade que Brianna tem para compor rap, ela faz versos como respira e é assim que ganha sua primeira batalha e alcança um reconhecimento muito importante para que seu objetivo de fazer sucesso aproxime-se cada vez mais. Mas é graças a um acontecimento traumatizante que envolve os seguranças da escola, que tratam Bri com extrema violência, que ela compõe um rap no qual desabafa sobre o acontecido. Essa música viraliza e faz com que tenha o reconhecimento almejado, mas nem todo mundo interpreta a letra da mesma forma, resultando em interpretações exageradas. Assim, Brianna precisa lidar com as reações que sua música provoca e refletir sobre a imagem que quer que as pessoas tenham dela e a que ela está passando. Além disso, no que diz respeito a ser filha de um rapper famoso, quer construir sua própria imagem, não viver à sombra da fama do pai, o que também revela o quanto a indústria é sexista.
Ao mesmo tempo que Brianna quer fazer sucesso fazendo rap, há também a cobrança de sua mãe para que ela se concentre nos estudos porque entende que só através da educação é possível ter uma mudança concreta na realidade na qual eles vivem. Assim, a educação é posta como um fator importante para emancipação e porta para novas e melhores oportunidades.
Angie Thomas fez sucesso com seu primeiro livro, O ódio que você semeia. As semelhanças entre Na hora da virada e o primeiro livro começam pelo fato de que as protagonistas moram no mesmo bairro, Garden Heights, e Brianna relembra os acontecimentos de O ódio que você semeia, como por exemplo questionando a justiça no caso do garoto negro que foi morto injustamente pela polícia, e os desdobramentos disso, as manifestações e o impacto que elas tiveram no bairro, o depredamento de comércios e o reforço da presença policial. Essas semelhanças podem fazer com que Na hora da virada soe repetitivo em alguns momentos, mas não diminui sua importância como um todo. Não é exatamente uma continuação do livro anterior, mas ler as obras na ordem de publicação confere um maior entendimento das questões sociais abordadas.
Na hora da virada é um livro com diversas camadas. Tem personagens autênticos, pontua problemáticas extremamente relevantes, como o racismo estrutural e estruturante da sociedade norte-americana, em uma linguagem convidativa e estimulante. Por um lado, é ótimo que seja protagonizado por uma garota negra de dezesseis anos, questionadora das estruturas sociais, perceptiva, direta, crítica, impulsiva e determinada. Mas por outro, essas mesmas características fazem com que soe imatura e irritante, apesar de também despertar empatia. Quer dizer, o leitor não concorda com as atitudes que ela toma, mas entende as razões para tal.
Os personagens secundários são bem trabalhados e assim, a mãe de Brianna, por exemplo, com sua trajetória de vida, acaba se tornando um bom exemplo de maternidade positiva: ela é séria quando tem que ser, mas também é uma ótima ouvinte, conselheira e defensora dos filhos. Os melhores amigos de Brianna, Malik e Sonny, têm suas próprias questões, sendo uma delas a descoberta do amor.
É um livro que fala sobre poder e sobre voz. Sobre busca de identidade, relações familiares, questões raciais e descoberta do amor. Escrito principalmente para um público jovem, mas que é para todas as idades.