Lavínia e a Árvore dos Tempos- Lucinei M.Campos

Parafraseando Neil Gaiman, um livro é um sonho que você segura em suas mãos. Este é o primeiro livro do autor carioca Lucinei Campos, publicado de forma independente em junho de 2014. Um sonho que acompanho desde antes de se tornar realidade e que fico imensamente feliz  que tenha se concretizado.


Nesse livro, conhecemos Lavínia, uma menininha de nove anos e acompanhamos a sua rotina. Ela vai para a escola, onde todo dia tem problemas com seus colegas: as marrentinhas e os valentões. Não bastasse isso, ainda tem que lidar com uma professora incompreensível que a deixa de castigo na diretoria quase todos os dias. Para fugir da perturbação de seus colegas, Lavínia descobriu um local sossegado na escola para passar seus intervalos, um local que se tornou seu esconderijo. De tarde, quando chega em casa, faz suas lições, limpa seu quarto e faz alguma coisa na casa para ajudar a mãe. No fim da tarde, recebe a visita de seu melhor amigo, Léo, que lhe faz companhia até a chegada dos pais dela, de noite. E esse é um dia comum na vida de Lavínia, até que, Lorivaldo entra na história.

Lorivaldo é a fada que Lavínia ganha para passar um ano com ela. Mas antes de se chamar Lorivaldo, a fada se chamava Laus. A mudança de nome aconteceu quando Laus teve que tocar no Regionário, objeto em forma de globo terrestre que servia para transformar quem lhe tocasse em um humano com aspectos da região tocada. Laus toca na região Norte do Brasil e se transforma em um homem de cabeça chata, estatura pequena, com roupas de couro e chapéu meia lua na cabeça. Como estava segurando sua varinha no momento da transformação, ela se tornou uma peixeira. Até a forma de falar foi afetada: “MAS QUE DIACHO É ISSO?”, “(…) Eu devo ser o humano mais feio da moléstia”.

Peixeira do Laus e marcador do livro.

Laus, agora Lorivaldo, se tornou a fada de Lavínia como forma de castigo por todas as coisas ruins que ele já tinha feito tanto no mundo dos humanos quanto no mundo mágico. E por odiar humanos, esta seria a pena perfeita: passar um ano cuidando de  uma humana. Era isso ou cumprir sua pena na prisão do Tártaro, local muito temido.

No início Lavínia estranha sua fada ser tão mal humorada, a tratar com ironia e sempre fazer as coisas reclamando, mas ela tem um coração bom e tenta entendê-lo para ver se pode ajudá-lo de alguma forma.
Para saber se pode ou não apresentar sua fada para seu amigo Léo, Lavínia ganha de Lorivaldo um livro intitulado O Guia do Faduário. Nesse livro há todas as regras para se ter uma fada e uma delas diz que o faduário, a pessoa protegida por uma fada, só pode contar para outra pessoa que tem uma fada, se a pessoa for mais nova. Por sorte, Léo é mais novo que Lavínia. E quando ela lhe conta, ele fica um misto de surpreso com assustado, considerando o jeito arrogante de Lorivaldo e seus trajes de soldado do filme Guerra de Canudos, mas logo fica animado e pede para Lavínia desejar que Lorivaldo dê vida aos seus bonecos.

Também conhecemos um goblin chamado Dagoberto, que é responsável por vigiar Lorivaldo para que ele não fuja ou faça alguma coisa errada. Lavínia, por ser uma simples humana, não deveria ser capaz de vê-lo, mas ela o vê e a partir de então começam a surgir muitos mistérios. O primeiro é esse: como Lavínia, uma humana, consegue enxergar as criaturas mágicas? O que Lorivaldo fez de tão errado para estar cumprindo pena? Por que ele odeia os humanos? Vamos descobrindo a resposta para essas e outras perguntas juntamente com a Lavínia e seu amigo Léo.

Outros personagens também aparecem. Como os elementais, um fauno e uma ninfa. Uma personagem que vale a pena ser mencionada: Celina, a anciã que juntamente com o Conselho faz os julgamentos e que em determinado momento se cobre com uma capa branca e usa um chapéu branco e pontudo. E isso explica o porque do autor ir a caráter em alguns de seus eventos.

Lucinei Campos trabalha de forma muito natural e nada forçada situações de bullying que é comum as crianças vivenciarem na escola. Além disso, desconstrói a visão que os filmes e desenhos passam das fadas: de que são criaturinhas pequenas e femininas. Quem disse que uma fada não pode ser um homem? Também insere elementos didáticos em seu livro, como uma forma diferente de contar o episódio do Descobrimento do Brasil e personagens do folclore brasileiro, como o Curupira e o Boitatá. Ainda, promove uma aproximação do modo de se vestir e falar das pessoas que vivem no Norte do país. Com isso, temos um livro que valoriza a cultura nacional. O que é um diferencial num país onde as pessoas costumam dar mais valor ao que vem de fora e esquece o que temos aqui dentro.

Gostei muito da história. Percebo que são raros livros nacionais que não sejam de ficção fantástica, com uma história que não tem ligação nenhuma com a realidade, mas nesse, mesmo com a fantasia, a realidade esteve presente o tempo todo. Outra coisa que gostei bastante foi a divisão dos capítulos, numerados e com títulos autoexplicativos, que já nos dá uma noção do que vamos encontrar lá. A capa também me agradou bastante. Ela passa a impressão de que se trata de um livro infantil, mas lendo, percebemos que é um livro para todas as idades.

Para um livro publicado de forma independente, foi feito um ótimo trabalho em relação a capa, a escolha da cor das folhas (que não reflete luz), tamanho das letras e ao acabamento e este é um lado, o outro é a diagramação e a revisão, acredito que ter tido uma editora teria feito muita diferença nesses dois aspectos. A revisão deixou passar alguns erros  e a diagramação me incomodou um pouco porque há casos de se começar uma linha nova só com uma sílaba que não coube na linha de cima, por exemplo, ou começar uma nova página com uma palavra que não coube na página anterior. De 236 páginas, estas são as duas únicas críticas. Ou seja, é um livro que dá  mais motivos para ser lido do que para não ser.


10 respostas

  1. Oi Maria.

    Estava ansiosa para ler essa resenha e saber o que você tinha achado da leitura. Que bom que vale a pena a leitura! Adorei o livro ser composto por personagens fantásticos como uma fada masculina, um goblin e ninfas, mas o mais legal é misturar o fantástico com a realidade no ponto certo. Já inclui o livro na minha listinha de desejados. 😀 😀 Bjoks da Gica.

    umaleitoraaquariana.blogspot.com

  2. Olá, tudo bem?

    Eu ainda não conhecia o livro, mas sua resenha me chamou bastante atenção… Adoro livros com uma pegada mais infantil. Parabéns pelo blog, super bem escrito e organizado. E pela torre Eiffel bem aqui na lateral, vi que ama Paris assim como eu.

    Beijos!

    Blog Cantinho da And

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

R$ 5.829/mês 72%

Participe do Clube Impressões

Clube de leitura online que tem como proposta ler e suscitar discussões sobre obras de ficção que abordam assuntos como raça, gênero e classe, promovendo o pensamento crítico sobre a realidade de grupos minorizados.