Sobre ‘Escrever ficção: um manual de criação literária’, de Luiz Antonio de Assis Brasil

Escrver ficção Luiz antonio de assis Brasil
A criação literária é um assunto que gera muita discussão e curiosidade. E quando se trata da possibilidade de se ensinar ou aprender a escrever, rende bastante. Devido à empolgação de quem está começando, diversos blogs e perfis nas redes sociais se dedicam ao tema. No Medium, o que não falta são textos e mais textos com fórmulas, dicas, entre outras coisas, que garantem mostrar o caminho das pedras. Entretanto, as coisas não são simples. Muito menos uma unanimidade. Sobretudo, quando diz respeito à escrita de ficção. 
 
O debate é acalorado. Há quem defenda que cursos, oficinas e livros sobre a escrita não ajudam em nada e só servem para padronizar aqueles que recorrem a eles. Segundo estes, nomes como Guimarães Rosa e José Saramago jamais teriam se tornado os escritores que foram se tivessem se enfiado em uma sala de aula e seguido à risca o que um professor porventura lhes disessem. Porém, há quem enxergue a questão por outro prisma. Escritores como Zadie Smith, Marcelino Freire e Joca Reiners Terron também são professores de escrita criativa enquanto gente do calibre de Mario Vargas Llosa, Umberto Eco e James Wood são autores de livros que buscam desmistificar a criação literária. Os que defendem o ensino da escrita criativa acreditam que, embora ela não seja uma ciência exata, é construída a partir de métodos, técnicas e esquematizações. Isto posto, não é de se espantar que a maior autoridade brasileira no ensino da criação literária, Luiz Antonio de Assis Brasil, venha a publicar a sua própria obra acerca do tema. Assis Brasil é um pioneiro do ensino de escrita de ficção no país e provavelmente o nome mais respeitado dentro dessa seara em terras brasileiras. Por suas oficinas e cursos de pós-graduações, já passaram autores como Carol Bensimon, Daniel Galera, Luisa Geisler, Michel Laub, entre outros. 
 
Escrever ficção: um manual de criação literária (Companhia das Letras) é o resultado dos mais de trinta anos de dedicação de Assis Brasil ao ensino desta disciplina. De acordo com o autor, o livro é uma espécie de síntese dos cursos e oficinas que vem lecionando durante todo esse tempo. É uma reprodução adaptada do conteúdo de suas aulas. Dividido em nove capítulos, Escrever ficção busca servir, conforme o próprio subtítulo já sugere, como uma espécie de manual para quem se aventura, ou quer se aventurar, na criação literária. Entre os artifícios escolhidos pelo autor, um dos mais recorrentes são as exemplificações dos pontos que defende por meio de excertos de obras clássicas e contemporâneas. Ao decorrer do livro, encontramos trechos do trabalho de autores como Afonso Cruz, Gustave Flaubert, Fiódor Dostoiévski e Adriana Lisboa. Outro recurso utilizado pelo autor é o uso das situações por ele vividas com seus alunos para ilustrar os questionamentos e apontamentos que traz para a conversa. E conversa é uma boa maneira de definir o livro. Em Escrever ficção, Assis Brasil não se vale de uma linguagem técnica ou hermética. Pelo contrário, ele faz escolhas que tornam o seu texto objetivo e nada pedante. E um bom exemplo disso está logo no primeiro capítulo do livro, Ser ficcionista é exercer nossa humanidade, no qual nos mostra o que de fato é necessário para se tornar um escritor de ficção, já começando a desmontar ideias fixas como a de que para escrever é necessário ser dono do famigerado talento. 
 

Escrever ficção é um trabalho que cumpre muito bem a sua intenção de ser útil a todos que enxergam na escrita um ofício, seja ele profissional ou não. E apesar de ser focado na composição de narrativas longas – novelas e romances –, serve também aos contistas. Ao optar por apresentar meios e não fórmulas, Assis Brasil garante ao leitor liberdade crítica e criativa, inclusive, diminuindo a possibilidade de que aqueles que pretendem fazer bom uso deste manual caiam na armadilha de se tornarem reféns dele. Além do seu caráter prático e de formação, Escrever ficção também é uma boa leitura para quem apenas se interessa pelo processo criativo que se esconde por trás da boa literatura sem necessariamente querer pôr a mão na massa. E mesmo contando com diversos macetes e ferramentas viáveis para se tecer uma boa história, Assis Brasil não nos deixa esquecer o básico e o mais importante para se fazer literatura: seu livro “jamais substituirá a leitura constante de obras literárias, a principal fonte para a formação de um escritor”. 

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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