Por Arsenio Meira
“(…) mas os caminhos do amor / só amor sabe trilhá-los.” Carlos Drummond de Andrade
Clarice Lispector é mesmo um ser à parte. Esse lugar-comum não é lugar-comum. É o impacto devastador (no bom sentido), que provem de qualquer obra sua. Parece um incêndio; floresta, geleira, navio, coágulo que sabe a flor ou a pedra em estado de memória. Euforia contemplativa. Ainda por cima, consegue ser complexa sem ser complicada. Como se dá isso tudo? Se eu soubesse estaria em Marte. Eu a definiria como uma “bagunça com ordem”, ou ainda uma “desordem que faz sentido”.
É como se ela conseguisse traduzir num discurso compreensível toda a confusão e perplexidade que existe dentro da gente. E, muito mais do que complexa, eu diria que Clarice é sensível. Tanto que conseguiu transformar uma simples história de amor num grande livro e, pra isso, não precisou recorrer a personagens fantásticos, paisagens incríveis ou a uma narrativa mirabolante. Uma aprendizagem… não passa de uma história comum com personagens de carne e osso como eu e você.
Trata-se de Ulisses e Lóri, que se gostam, querem ficar juntos, mas ainda não estão prontos um para o outro. Ou melhor, Ulisses, mais velho e experiente, sente-se mais à vontade diante do amor, enquanto Lóri é uma aprendiz dos assuntos amorosos. E quem disse que é preciso aprender a amar? Embora muita gente nem se dê conta disso, Ulisses e Lóri vão provar que sim, e que essa aprendizagem faz parte de um processo essencial (e prazeroso) de amadurecimento. E tudo isso é passado ao leitor de uma forma incomum, num livro com poucos diálogos e quase nenhuma ação, que foge inteiramente à didática de cartilhas monótonas e previsíveis.
O desenrolar dos “acontecimentos” se passa mais na cabeça dos personagens do que “na vida real”. Engraçado que, quando terminei de ler, quase agora, me vejo tonto, sem conseguir esmiuçar os inúmeros detalhes (onde e quando se passam os fatos), tampouco descrever os personagens (quem são, onde vivem, o que fazem.) Em compensação, eu me sinto perfeitamente capaz de dizer o que Ulisses e Lóri pensam e desejam, assim como suas angústias e medos mais íntimos. Isso porque, mais do que informações e descrições, o livro é cardápio infinito de sensações.
Se retirarmos a riqueza psicológica de Ulisses e Lóri, a narrativa perde todo o encanto. Viraria a simples história da paquera entre um professor de Filosofia e uma moça tímida. Na verdade, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres é uma lição de paciência, compreensão, afirmação do que somos e de respeito ao outro, tudo isso tendo como pano de fundo um relacionamento amoroso. Deveria ser leitura obrigatória para todos.
Todos que pretendem amar e ser amados por alguém. Pois, sem perder a trilha drummondiana: “os caminhos do amor / só amor sabe trilhá-los.”
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3 respostas
Apesar de todas as frases de impacto dessa autora que postam no Facebook e afins eu nunca li um livro dela de fato, juro que não é por falta de vontade.
Ainda mais depois da sua resenha super positiva, acho que vou começar por esse.
memorias-de-leitura.blogspot.com
Oi Maria, tudo bem?
As frases da Clarice são muito famosas, e como no comentário anterior da Gabi, realmente o Facebook fica cheio delas!!! Eu ainda não li esse livro, apenas Laços de Família e Água Viva (este último, incrível), mas já está cotado para uma futura leitura.
Abraço!
www,blogopenbooks.blogspot.com.br
Que resenha linda *o*
Nunca li nenhum livro da Clarice : mas fiquei com muita vontade de ler esse livro o/
Bjus ^^
http://espacobaguncado.blogspot.com.br/