Minha História (Objetiva, 2018), de Michelle Obama e tradução por Débora Landsberg, Denise Bottmann e Renato Marques, é uma autobiografia, na qual a ex-primeira dama dos Estados Unidos rememora sua vida desde a infância até chegar onde se encontra atualmente.
O livro foi organizado de modo que Michelle narra sua história dividida em três grandes momentos: “A História Começa”, no qual conta sobre sua infância, a relação com sua família, sua trajetória como estudante e a realidade do bairro no qual nasceu e cresceu; “A Nossa História”, narrativa de quando ela conhece Barack Obama e como eles começaram a construir uma vida juntos, como também as dificuldades que tiveram quando decidiram engravidar; por fim, em “Uma História Maior”, conta como foi sua atuação na vida política, como primeira-dama dos Estados Unidos e todo apoio que deu ao marido nesse processo. Portanto, o livro segue uma narrativa cronológica, o que é bom porque se pode ter uma visão bem organizada de sua vida como um todo e quando ela estabelece relações com acontecimentos do passado, fica fácil de rememorar com os fatos já descritos.
Advinda de uma família da classe média baixa, Michelle LaVaughn Robinson Obama cresceu em South Side, um bairro de Chicago. Foram marcantes os momentos em que ela descreve como foi construída a relação com sua família e todos os esforços e sacrifícios que seus pais fizeram para que ela e seu irmão pudessem ter escolhas na vida e pudessem almejar um futuro diferente da realidade de muitos de seus familiares, subjugados pela sociedade racista.
Michelle reconhece que só pôde ser quem se tornou porque sua mãe abdicou de seus próprios sonhos para virar esposa, dona de casa e mãe em tempo integral: “Deixou nossa família definir quem ela era. Agora eu tinha idade suficiente para entender que todas as horas que ela dedicou a mim e a Craig foram horas que tirou de si mesma” (p.192).
Estudou nas Universidades de Princeton e de Harvard e atuou como advogada em um dos mais renomados escritórios de advocacia dos Estados Unidos, Sidley & Austin, e foi lá, enquanto atuava como mentora de Barack Obama que os dois se conheceram e se apaixonaram. A história dos dois é muito bonita no sentido de que não deixaram as dificuldades acabar com ela e foram persistentes para que desse certo. É uma história de amor que teve alguns percalços, desde dificuldades financeiras a questões de distância em uma época pré-internet.
Já em sua época de estudante, Barack Obama demonstrava sua preocupação com as causas sociais e sua entrada na vida política se deu aos poucos. Michelle conta que quando ele conversou com ela sobre sua candidatura à presidência, inicialmente ela foi contra por pensar no impacto que isso teria em sua vida individual, na ausência dele na vida das filhas, mas depois decidiu que se era isso mesmo que ele queria, daria apoio e estaria presente para o que ele precisasse, afinal, seria muito egoísmo de sua parte querer Obama só para si quando ele poderia fazer muito pelo país. Michelle foi muito ativa durante a campanha de Barack para a presidência e nesses momentos pôde ver como os ataques contra ela se tornaram pessoais e a colocaram dentro do estereótipo de “mulher negra raivosa”. Não eram ataques porque ela era a favor de uma visão política, eram motivados por seu gênero e cor:
Ser primeira-dama não é um cargo, efetivamente falando, só existe primeira-dama porque existe presidente, então, não sendo um cargo efetivo, não se espera muito de quem o é, mas enquanto primeira-dama, Michelle não aceitou o papel que esperavam que ela desempenhasse, não ficou de braços cruzados, trabalhou demonstrando preocupação social, principalmente com as crianças e a educação de meninas em situação de vulnerabilidade, discursando sempre sobre como a educação pode ser transformadora e mostrando através de sua própria história como uma boa educação muda vidas. Além disso, plantou uma horta para conscientizar sobre alimentação saudável e deu atenção aos soldados feridos na guerra do Vietnã.
Apesar da sua rotina apertada, nunca deixou seu papel como mãe em segundo plano, buscando sempre estar em casa para colocar as filhas para dormir ou tentando fazer com que as meninas levassem uma vida minimamente dentro da normalidade. E mesmo tendo abdicado de muitas coisas para estar presente na vida política de Obama, nunca deixou de ser independente, nem determinada.
Mesmo com toda mensagem de esperança passada durante a campanha ela não se priva de fazer crítica ao país, de mostrar a face menos bonita, como a de que é um país racista, misógino e machista, não se priva de dar sua opinião sobre a questão das armas. Outro assunto que Michelle traz à tona é a questão da violência policial contra os negros. Sendo os Obama o primeiro casal negro na presidência dos Estados Unidos, o que com certeza foi um feito memorável, ainda assim só isso não foi suficiente para mudar as estruturas racistas do país, até porque séculos e séculos de racismo não se acaba assim, da noite para o dia.
Michelle ainda fala de assuntos que são muito presentes como bullying e racismo, problemas pelos quais ela passou e busca conscientizar as pessoas. Já próximo do final, fala sobre a sucessão da presidência por alguém que é totalmente o oposto de Barack e é impossível não relacionar a campanha de Trump e sua pessoa com o atual presidente do Brasil.
Colheita da horta/ Fonte |
É fato incontestável que Michelle se expressa com muita clareza e coerência. É uma autobiografia que não poupa detalhes, muito rica e recheada de fotos no início, meio e final. Ao concluir esta leitura terminamos com a sensação de que conhecemos bem Michelle em sua totalidade, como mulher negra, esposa, mãe, filha e amiga.
Mais do que a história que é contada, o livro merece reconhecimento por sua narrativa, sua escrita é leve e direta. Acho que não tem como não ser tocada por sua história e não tem como não nos sentirmos inspiradas de alguma forma. Michelle com certeza é uma mulher admirável. Mostra que quem sai do gueto pode chegar ao topo, mostra o poder transformador da educação.
Antes de ser a primeira-dama, com este livro Michelle nos mostra que é uma mulher, um ser humano, alguém que comete falhas, que tem sentimentos, nem melhor nem pior que ninguém. Fala muito sobre a importância de aprendermos a usar nossa voz e sermos fiéis a nós mesmas.
A família Obama foi 44ª a morar na casa branca e apenas a 11ª a cumprir dois mandatos, para sempre a primeira família negra na presidência, que não seja a única.
*Exemplar recebido em parceria com a editora.
*Exemplar recebido em parceria com a editora.