Aldeia dos mortos – Adriana Vieira Lomar

Texto por Mayra Guanaes.

O ano de 2020 começou difícil, mas pelo menos tivemos a publicação de bons livros. Algumas editoras, como a Patuá, seguem trabalhando para que não nos falte boas leituras neste momento de pandemia. Uma destas leitura é Aldeia dos mortos de Adriana Vieira Lomar, publicado pela referida editora.

Aldeia dos mortos me chamou a atenção pela capa e sinopse. Quem começa narrando este romance é um feto que cresce dentro do útero da mãe, sente e escuta o mundo ao seu redor.

Na primeira parte do livro, conhecemos mais a fundo as sensações deste feto e algumas características da família da qual já faz parte. Aos poucos vamos mergulhando nos conflitos de sua família, até que o foco da narrativa são estes conflitos e não mais as sensações daquela voz que no começo do livro compreendemos ser um feto que está em desenvolvimento.

 

A forma como a voz narrativa transita entre as próprias sensações e os episódios familiares, me deixou instigada porque muitas vezes as cenas descritas não parecem ocorrer no mesmo lugar em que aquele feto está. Entretanto, entendi ao chegar no último capítulo a movimentação do ponto de vista narrativo e achei muito interessante este recurso utilizado por Adriana Vieira Lomar.

Temos, em Aldeia dos mortos, uma voz narrativa que se apresenta em 1ª pessoa e aos poucos deixa de falar de si para dar espaço a uma análise de seus conflitos familiares que são apresentados com o distanciamento das narrações em 3ª pessoa. Essa narração onisciente que apresenta essa alternância do lugar de onde narra foi o que mais me deixou curiosa durante a leitura. Mas não é só isso, existem personagens muito bem construídos. Destaco aqui os meus favoritos: o gato Matias (que é capa do livro), a Bernadete, uma menina que parece demonstrar uma tendência à violência, e o Professor Sardinha que é professor de filosofia.

 

Espacialmente, um dos lugares significativos do romance é a Ladeira dos Martírios (talvez aquela Ladeira dos Martírios que tem em Maceió?). A referência histórica da narrativa é o período da Ditadura Militar no Brasil. Alguns episódios da época são citados e fatos como as perseguições a quem não concordava com o regime atravessam o cotidiano e conflitos daquela família. Eu gostei muito dessa localização narrativa porque me fez viajar para um lugar e época do Brasil, diferente do que vivo.

 

Pela forma como Adriana Vieira Lomar experimenta a linguagem e os demais procedimentos narrativos, Aldeia dos mortos é uma obra com várias camadas de leitura que promovem uma experiência literária muito enriquecedora.

 

Para comprar o livro, acesse o site da editora Patuá

 

*Exemplar recebido em parceria com agência Oasys Cultural.

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

R$ 5.829/mês 72%

Participe do Clube Impressões

Clube de leitura online que tem como proposta ler e suscitar discussões sobre obras de ficção que abordam assuntos como raça, gênero e classe, promovendo o pensamento crítico sobre a realidade de grupos minorizados.