Publicado pela Editora Patuá em 2019, Flor anêmica é o primeiro livro do escritor Rodolfo Paiva. Os dez contos presentes na obra retratam personagens que muitas vezes vivem à margem da sociedade. O que me parece notável nos contos é o encontro entre a sensação do prazer e do vazio mediado pelas experiências do corpo e da sexualidade que me parecem ser o fio condutor das narrativas
O título Flor anêmica produz um jogo interessante de palavras e sentidos. De cara nos lembra as anêmonas, uma flor que tem o miolo escuro, já o adjetivo “anêmica”, sugere uma flor a qual falta algum tipo de nutrição, sendo a flor um elemento da natureza que simboliza a sexualidade, a fertilidade, o amor, etc. Os sentidos do título ainda se complementam com a epígrafe de Cinthia Kriemler (também publicada pela Editora Patuá) que abre o livro “com a dor eu trepo, é com o amor que não me ajeito”.
Os dez contos do livro podem ser relacionados entre si de várias maneiras, entretanto, o que me parece mais saliente nessa primeira obra de Rodolfo Paiva, é o protagonismo dos personagens negros e a atmosfera erótica, algumas vezes, homoafetiva, que ressoa uma perspectiva da sexualidade como um elemento inerente à vida, posta em cena sob olhares mais individuais ou coletivos. Embora a temática dos contos esteja relacionada, Rodolfo Paiva experimenta focos narrativos distintos, como se observássemos os personagens com mais proximidade ou distanciamento.
O título Flor anêmica vem do conto de abertura, uma narrativa em primeira pessoa em que uma prostituta conta sobre seus primeiros programas e também a vida no casamento, comparando essas duas situações a partir da vivência da sexualidade. Há quem diga que homens não podem criar narradoras mulheres, mas no caso da escrita do Rodolfo Paiva, esse recurso de linguagem, em 1ª pessoa, potencializa a narrativa e este primeiro conto, nos deixa com vontade de seguir a leitura. Para além disso, esse primeiro conto e as questões que essa narradora traz, reverberam nos contos seguintes, em “A noite do urso” temos mais um conto sobre a prostituição mas desta vez em 3ª pessoa, retratando o cotidiano das prostitutas Salete e Susie.
Já “Sessões secretas” é igualmente interessante, com a voz narrativa em 3ª pessoa temos dois homens em casamentos heteronormativos mas que se relacionam sexualmente entre si. A homoafetividade masculina também tematiza os contos “Pétalas ao vento”, narrado em 1ª pessoa com uma reflexão sobre o vazio das relações afetivas e o “depois” das relações sexuais e também em “Terreno baldio”, narrado em 1ª pessoa, abordando o afeto masculino, com dois personagens que se envolvem ao compartilharem o mesmo quarto de uma pensão.
Para além da tematização da sexualidade que permeia todo o livro e me chamou bastante a atenção por aparecer sob olhares distintos, há ainda os contos que abordam o tema mas me trouxeram ainda algumas imagens muito poéticas como “O segredo”, que mostra uma família que tem uma máquina de escrever e “Vila Esperança”, que traz o cotidiano dos moradores de uma pequena vila, lançando um olhar sobre os detalhes da vida comum em coletividade.
Flor anêmica, é um bom livro de estreia e fiquei com vontade de ler as próximas produções de Rodolfo Paiva. Mais um acerto da Editora Patuá.
Participando do Clube Impressões: um espaço voltado para a leitura e discussão de obras ficcionais que levam a refletir sobre assuntos como raça, gênero e classe, e que promovam pensamento crítico sobre a realidade de grupos minorizados. Clique aqui para participar.
Clube Leituras Decoloniais: um projeto coletivo negro que conta com a curadoria de quatro mulheres negras que produzem conteúdo na internet sobre literatura decolonial. Clique aqui para participar.