A Coisa à Volta do Teu Pescoço- Chimamanda Ngozi Adichie


Com exceção de Para educar crianças feministas, que foi lançado recentemente, este blog já resenhou todos os livros em português brasileiro da autora, agora chegou a vez de resenharmos um livro em português de Portugal.

A coisa à volta do teu pescoço (“The thing around your neck”), foi traduzido do inglês por Ana Saldanha e publicado em 2009 pela editora Dom Quixote, em Portugal.
Este é um livro que contém um total de 12 contos nos quais a figura feminina é representada de diferentes modos, mas todos tendem a mostrar a força de cada uma delas. O conto que dá título ao livro é belíssimo, mas o que ele tem de belo, também tem de triste, e de certo modo, sufocante. É justamente a isso que o conto remete, o sentimento de que tem algo em volta de nossa garganta, aquela falta de ar. Por ser narrado na segunda pessoa do singular, o conto ganha uma carga extra de poesia e faz pensar na linguagem usada em profecias.

“Estavas habituada a aceitar o que a vida te dava, a escrever o que a vida ditava.” (Conto  A Coisa à Volta do Teu Pescoço)

O primeiro conto é “Cela Um”. Uma narrativa feita em primeira pessoa pela filha mais nova de uma família em que o pai é professor universitário, o que demonstra que uma família da classe média da Nigéria. No entanto, sem um motivo aparente, o filho mais velho, Nnamabia, de 17 anos, rouba e vende as joias da mãe, como também começa a se envolver gangues e é preso. A experiência na prisão tem o poder de transformá-lo totalmente. A autora expõe a corrupção e o abuso de poder característicos da instituição policial.

O segundo conto, “Imitação”, me chamou atenção porque nele a autora retoma, em certa medida, o assunto que é tratado em seu livro Americanah: o uso dessa palavra para se referir às pessoas nigerianas que vão para os Estados Unidos e quando retornam ao país de origem, percebe-se que incorporaram em sua linguagem aspectos do inglês estadunidense.

“Espero que compreendas o inglês todo importante que eles falam; agora são americanah, oh!” (Conto Imitação)

“Fantasmas” é o quarto conto. Nele temos um professor aposentado que não recebe o dinheiro de sua aposentadoria por causa da corrupção. Com isso, a narrativa revisita a Guerra do Biafra (1967-1970), temática também presente no livro Meio Sol Amarelo.
Estremecimentos” é um conto que fala de fé e de Deus. E de como, às vezes, as pessoas estão tão preocupadas com os problemas delas que não percebem que há outras pessoas com problemas também.
Em “Casamenteiros”, uma jovem nigeriana é dada em casamento a um homem nigeriano que mora na América, o que a faz se mudar para lá. O marido faz com que ela mude todos os seus costumes para que seja bem aceita no novo país, sempre preocupado com o que os outros irão pensar.

“Como se pode amar alguém e ao mesmo tempo querer controlar a quantidade de felicidade que é permitida a essa pessoa?” (Conto O Estremecimento)

Além do evidente protagonismo feminino, os contos também fazem uma exposição da cultura nigeriana e estadunidense. Os assuntos tratados passam pelas diferenças étnicas e religiosas, pela tradição cultural dos africanos.

Todos os contos mexeram comigo de alguma forma, sempre concluía a leitura impactada.O conto que dá título ao livro foi o que mais mexeu comigo porque me identifiquei em diversos momentos da narrativa e esse é um dos motivos que me fazem gostar da autora: essa capacidade que ela tem de criar narrativas e personagens com os quais eu sempre me identifico, mesmo que as experiências retratadas sejam de pessoas em outras realidades geográficas. Talvez seja isso o que torna sua escrita universal. Se Chimamanda Ngozi Adichie agrada em seus romances, também não deixa à desejar na narrativa curta, de modo que indico muito a leitura desse seu livro de contos.

2 respostas

  1. Amo Chimamanda! Estou com esse aqui em versão inglês…tô só esperando sentir que o mundo precisa de mais amor para começar – Chimamanda e Mia Couto sempre me acalmam o coração sabe?! 🙂 Gostei da resenha!
    Bjos.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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