A Neta de Anita- Anderson de Oliveira

Este livro vai nos permitir conhecer, como diz o título, a neta de Anita, Tainá. Elas moram três casas acima do rio e vivem acompanhadas de um cachorro chamado Estrela.

Tainá conta para a avó que ouviu cochicharem que ela era negra como a escuridão de seus olhos e isso a chateia muito porque o tom usado não foi nada amigável. Então, a avó resolve contar uma história para a neta. Ela vai narrar a história do Sol e da Lua no começo do mundo, de como o astro fez com que os homens ficassem com as peles escuras e os cabelos crespos, e de como eles foram corajosos e por isso, se tornaram filhos do Sol.
Depois de ouvir esta história, Tainá vai pegar água na fonte e conta para o rio o que ouviu da avó. Diariamente ela dividia os acontecimentos de sua vida com o rio, que lhe retribuía com água fresca.

“— Nossa pele conta uma história de sacrifícios e resistência. Nossos cabelos trazem a experiência da força” (p.20).

Um dia, uma escritora foi convidada pelo prefeito dessa cidade para ir conversar com as crianças. Foi uma experiência muito rica e empolgante tanto para ela quanto para eles. No final, um menino comentou de Tainá, que não havia ido ao evento, e a escritora quis conhecê-la. É aí que o caminho das duas se cruzam. A escritora pede à avó para passar um tempo com a menina para que pudesse ensiná-la, já que as duas têm algo em comum. A avó dá permissão, pois sabia que sua neta iria embora, mas voltaria.
Durante o tempo que Tainá ficou fora, a saudade era um sentimento comum entre a avó, o cachorro e a fonte do rio, que sem explicação aparente, secou da noite para o dia.

“Os nossos olhos esquecem. O sentimento, de alguma maneira, fica guardado em nós” (p.28).

Na ocasião do retorno de Tainá, foi uma alegria só! Nem o cachorro conseguiu segurar o choro. Ela voltou um pouco maior e certamente aprendeu o que tinha ido aprender, o que deu à Anita ainda mais esperança.

Quando a gente entende o porquê de Tainá conversar com a fonte de rio, contando suas experiências diárias, também entendemos o nome do cachorro ser Estrela e o porquê de as cores predominantes nas ilustrações serem preto, branco e o azul claro que se destaca. Esse momento do entendimento é muito emocionante porque percebemos o quanto nosso olhar e percepção das coisas estão tão naturalizados que não nos damos conta do óbvio, é preciso que seja dito com todas as letras para então percebermos. Além disso, toda narrativa é feita de uma maneira tão poética, sensível, permitindo ressignificar as palavras, que tudo flui como a água do rio.
Mesmo com um tamanho considerável de texto em algumas páginas, as frases são breves e há bastante diálogos, o que torna a leitura bem dinâmica.

“(…) Que havia pontes ligando cidades. Que havia trilhos diminuindo distâncias. Que havia muitas formas de estarmos juntos uns dos outros, mesmo quando não podemos estar presentes” (p.35).

Fiz mesmo suspense em relação ao assunto principal do livro, porque acho que o leitor deve passar pela experiência de descobrir sozinho e se emocionar como eu me emocionei e se arrepiar como eu me arrepiei. Sério, é muito tocante. De uma sensibilidade sem tamanho.
Além desse assunto principal, o livro também vai mostrar o cuidado e carinho da avó para com a neta, seja quando trança seus cabelos ou quando esta vai buscar água no rio e aquela fica observando da janela seus passos, vai evidenciar uma estética negra, seja no uso de turbante ou no cabelo crespo trançado ou solto, como também, vai mostrar a diferença que existe entre partir e ir embora. 

O trabalho gráfico é belíssimo, dialoga com a história o tempo todo, desde a capa à contracapa, com direito à relevo no meio do livro e círculos recortados que dependendo do lado que se vê pode compor tanto um olho, quanto uma órbita de planetas.
O Ilustrador, Alexandre Rampazo, fez um excelente trabalho. E o autor, Anderson de Oliveira, escreveu uma história que acredito que irá conquistador todos os corações de quem a ler. A Mazza Edições está de parabéns pela publicação desse livro.

*Exemplar cedido pela editora.

3 respostas

  1. Li alguns livros sobre bullying, mas nada tao especifico quando racismo. Lendo a resenha a revolta se torna presente e acredito que seja assim durante todo livro. Eu imagino o drama dessa criança ter que passa por essa situação certamente sem entender nada sobre "padroes dos adultos". Deve ser uma leitura emocionante e cheia de revolta por parte do leitor a cada pagina.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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