Abril Despedaçado- Ismail Kadaré

O livro é composto por duas histórias que se entrecruzam. A primeira é sobre Gjorg Berisha, que segundo a tradição do Kanun, que é o código que rege as leis daquela região, tinha que vingar a morte de seu irmão, matando a pessoa que o tinha matado. E após isso, ele que seria morto por alguém da família da pessoa que ele matou. Após a morte, a família do matador tinha direito a pedir a bessa, que é uma trégua. Há a bessa pequena, de vinte quatro horas e há a bessa grande, de trinta dias.
Gjorg conseguiu a bessa de trinta dias e a partir de então começou a pensar em sua vida dividida em duas partes: a que ele tinha vivido até o momento com seus vinte e seis anos e os trinta dias de vida que lhe restavam, que começou no dia 17 de março e iria até 17 de abril.

“Com o canto do olho Gjorg mirou o fragmento de paisagem além da janela estreita. Lá fora corria março, meio risonho, meio gelado, com aquela perigosa luminosidade alpina que só esse mês possuía. Mais tarde viria abril, ou melhor, apenas sua primeira metade. Gjorg sentiu um vazio do lado esquerdo do peito. Abril desde já se revestia de uma dor azulada. Assim, abril sempre lhe causara essa impressão, de um mês um tanto incompleto. Abril dos amores, como diziam as canções. O seu abril despedaçado…”

Após matar, a pessoa que matou tinha que pagar o tributo do sangue. Para fazer isso, Gjorg foi para a kullë de Orosh (kullë é o que seria para nós as casas). Andou por um dia inteiro para chegar e ficou surpreso ao saber que poderia ficar até dois dias esperando para pagar.

A outra parte da história é sobre um casal, Bessian Vorps e Diana, que vão passar a lua-de-mel no Rrafsh do Norte, local dominado pelas regras do Kanun. Viajam em uma carruagem com bancos forrados de veludo preto. Bessian é uma escritor e intelectual que sabe muito sobre o kanun e ao longo da viagem vai explicando para Diana tudo que ele julgava importante, como as normas de hospitalidade, o modo de funcionamento e explica principalmente sobre a figura do “amigo”, que é um semideus dentro desse contexto do kanun.

Em um determinado momento, quando Gjorg está retornando para casa, o caminho dessas três personagens se cruzam e a partir de então, Diana e Gjorg nunca mais serão os mesmos. Diana com o fascínio de ter conhecido alguém marcado para morrer e Gjorg na busca de uma motivação para seguir seus dias sabendo que a morte se aproxima.

Este livro de Ismail Kadaré foi o meu primeiro contato com a literatura albanesa e me surpreendeu de um jeito positivo. O livro é repleto de notas de rodapé, o que auxilia no entedimento das muitas expressões albanesas que aparecem.

Originalmente, o livro foi escrito em 1978. Foi publicado no Brasil em 2007, pela Companhia das Letras, pelo selo Companhia de Bolso.
Pelo que pude perceber, por aqui o livro não é muito falado e quando o é, é feito em detrimento do filme de 2001, de mesmo nome, que foi baseado no livro, mas é ambientado no sertao nordestino e conta com a direção de Walter Salles e a atuação de Rodrigo Santoro e Wagner Moura, entre outros.

2 respostas

  1. Que delícia vir aqui! Não sabia que estava com o blog, achei que tinha abandonado o barco rsrs
    Eu já tinha ouvido falar vagamente do livro (ou será que foi do filme?), mas não tinha ideia do que se tratava.
    O título é tão lindo… E eu achei a premissa muito interessante. Ainda mais por trazer duas histórias… adoro esse tipo de escrita.
    Beijos

    Meu Meio Devaneio

  2. Esse livro é fenomenal e as ambientações históricas ficaram muito bem colocadas… É interessante notar que este código de conduta ainda tem pessoas que o sigam até hoje. Publiquei um texto sobre o Kanun, onde trago um documentário registrando a vida de um garoto que o próximo a ter o sangue tomado pela vendetta… Fica o link abaixo… Abraços e parabéns pelo blog… https://gavetadebagunca.wordpress.com/2015/06/21/kanun-o-codigo-de-conduta-albanes-que-legaliza-a-vinganca/

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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