Seguindo uma teoria antiga de que toda arte está de alguma forma conectada, lendo Os Detetives Selvagens, do chileno Roberto Bolaño, tomei conhecimento de uma lista enorme de poetas internacionais conhecidos e obscuros. Um deles foi o britânico Brian Patten. Lógico que pesquisei de um em um, afinal uma indicação do Bolaño é praticamente uma garantia, mas de muitos não encontrei nada. Brian Patten foi diferente, um dos poucos que, mesmo nunca traduzidos, são fáceis de achar poemas avulsos na internet e coleções à venda. Tendo gostado dos poucos poemas avulsos que li, comprei Selected Poems, publicado pela Penguin, na época fácil de encontrar na Livraria Cultura sob encomenda.
Noite passada,
antes do sono me emboscar,
o homem do saco veio.
Ele mancou escada acima,
ficou de pé no patamar,
sussurrou meu nome.
Eu fingi não ouvi-lo.
Eu conjurei alguns heróis.
Eu era invisível.
Eu era à prova de balas.
Eu podia voar para longe dele,
saltar pela janela, saltar
por sobre os telhados e fugir dele.
Noite passada
Eu o ouvi testar a porta do meu quarto.
Eu o ouvi atravessando o cômodo.
Eu tranquei as cobertas,
Eu transformei a cama em ferro.
Eu me fiz tão pequeno que ele não poderia me encontrar.
Noite passada,
antes que o sono me pudesse resgatar,
o homem do saco veio.
Bêbado, ele tropeçou por umas palavras
que ele nunca mais vai repetir.
Pai,
por favor não venha me fitar.
Não chegue tão perto.
Eu não sei como amar estranhos.
2 – Se Você Tivesse que Adivinhar Para Quem Você Diria Que São Seus Poemas?
Para pessoas que não tem para onde ir às tardes,
Para pessoas que a noite bane para quartos pequenos,
Para boas pessoas, pessoas enormes como o mundo.
Para pessoas que dão a si mesmas esquecendo
O que é que elas estão dando,
E que nunca são lembradas.
Para pessoas que não conseguem evitar serem boas
À mão agrupada em dor contra elas.
Para pessoas inarticuladas,
Pessoas que inventam sua própria feiura,
Que inventam dor, aterrorizadas pelo vazio;
E para pessoas que ficam para sempre na mesma encruzilhada
Esperando pelas chances que passaram.
E para aqueles que ficam de tocaia para si mesmos,
Que inventam força como um tipo de disfarce,
Que, perdidas em seus estreitos e autoderrotados mundos,
Carregam o remorso dentro de si como uma praga;
E para os que se procuram perdidos entre esses
Eu arrisco um poema.
3 – Poema Escrito na Rua em uma Noite Chuvosa
Tudo que eu perdi foi encontrado novamente.
Eu senti o gosto do vinho na minha boca.
Meu coração era como um vaga-lume; se movia
Através dos mais sombrios objetos rindo.
Haviam motivos suficientes para que aquilo estivesse acontecendo
Mas eu nunca parei para pensar sobre eles.
Eu poderia ter dito que era seu rosto,
Poderia ter dito que bebi algo idiota,
Mas nenhuma razão foi suficiente.
Nenhuma razão foi relevante;
Minha alegria foi ofuscada
Por arredores enfadonhos.
Um banquete se espalhou; um mundo
Se tornou comestível de repente.
E havia todo tempo do mundo para saboreá-lo.
4 – Cegueira
Canetas na mão
Pessoas estão escrevendo furiosamente os seus diários
Ao fim do dia –
Como podem eles saberem tão cedo
O que aconteceu?
5 – A Luz Um do Outro
Eu não sei o que me trouxe aqui
Para longe de onde eu quase não estive e agora
Provável que nunca mais vá de novo.
Rostos se perderam, e lugares passaram
Nos quais eu poderia ter parado,
E parando, ter ficado satisfeito.
Alguns rostos deixaram uma marca,
E eu neles posso ter forjado
Algum tipo de encanto ou feitiço
Para fazer o futuro deles funcionar,
Mas é difícil saber
Como uma pessoa pode
influenciar a outra.
Nós passamos, e brevemente acesos pelas luzes um do outro
Esperamos que o caminho que trilhamos seja o certo.
Todos os poemas são de autoria de Brian Patten, publicados em Selected Poems, 2007, pela editora Penguin. Todas as traduções são de minha autoria, Raphael Dias, que não tenho qualquer direito sobre a obra.
Uma resposta
Gostei do poema "A Luz um do outro",nunca tinha ouvido falar no autor, foi bom conhecer.
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