Alguns poemas traduzidos de Brian Patten

 
Seguindo uma teoria antiga de que toda arte está de alguma forma conectada, lendo Os Detetives Selvagens, do chileno Roberto Bolaño, tomei conhecimento de uma lista enorme de poetas internacionais conhecidos e obscuros. Um deles foi o britânico Brian Patten. Lógico que pesquisei de um em um, afinal uma indicação do Bolaño é praticamente uma garantia, mas de muitos não encontrei nada. Brian Patten foi diferente, um dos poucos que, mesmo nunca traduzidos, são fáceis de achar poemas avulsos na internet e coleções à venda. Tendo gostado dos poucos poemas avulsos que li, comprei Selected Poems, publicado pela Penguin, na época fácil de encontrar na Livraria Cultura sob encomenda. 

Brian Patten começou a escrever na adolescência e segue por aí até hoje. Publicou pela primeira vez, aos 20/21 anos, na antologia Mersey Sound, em 1967, antologia essa que estreou diversos poetas ingleses daquela Geração (Mersey sendo um rio da baía de Liverpool, cidade onde nasceu o poeta). Ficou conhecido por seus poemas de amor e poemas infantis, no entanto publicou sobre todos os assuntos e para todos os públicos, sempre com uma voz simples, embalada pelo estilo das bandas que surgiam na Inglaterra naquele mesmo tempo, tirando proveito daquele lirismo e inocência da infância para tratar de temas adultos. Selected Poems contém uma boa quantia de poemas retirados de todas as fases do autor, dispostos em ordem cronológica. O autor escolheu não incluir tantos poemas de amor como ele poderia ter feito, pois a própria Penguin lançou uma seleção específica para estes. Não tem bem uma lógica por trás da minha seleção de poemas para traduzir. Os únicos critérios foram o quanto eles me afetaram pessoalmente e se eu era ou não capaz de traduzi-los competentemente.
Ah!, antes que eu me esqueça. Sou o Raphael, do Delirium Scribens. Há um tempo acompanho o blog da Maria a ponto de termos formado uma amizade. Então decidimos que, uma vez por mês, eu vou publicar uma coisa aqui e ela vai publicar uma coisa lá. Esperem por isso então.

1 –  O Visitante Noturno do Pequeno Johnny

Noite passada,
  antes do sono me emboscar,
  o homem do saco veio.
  Ele mancou escada acima,
  ficou de pé no patamar,
  sussurrou meu nome.

Eu fingi não ouvi-lo.
  Eu conjurei alguns heróis.
  Eu era invisível.
  Eu era à prova de balas.
  Eu podia voar para longe dele,
  saltar pela janela, saltar
  por sobre os telhados e fugir dele.

Noite passada
  Eu o ouvi testar a porta do meu quarto.
  Eu o ouvi atravessando o cômodo.
  Eu tranquei as cobertas,
  Eu transformei a cama em ferro.
  Eu me fiz tão pequeno que ele não poderia me encontrar.

Noite passada,
  antes que o sono me pudesse resgatar,
  o homem do saco veio.
  Bêbado, ele tropeçou por umas palavras
  que ele nunca mais vai repetir.

Pai,
  por favor não venha me fitar.
  Não chegue tão perto.
  Eu  não sei como amar estranhos.

2 – Se Você Tivesse que Adivinhar Para Quem Você Diria Que São Seus Poemas?

Para pessoas que não tem para onde ir às tardes,
Para pessoas que a noite bane para quartos pequenos,
Para boas pessoas, pessoas enormes como o mundo.
Para pessoas que dão a si mesmas esquecendo
O que é que elas estão dando,
E que nunca são lembradas.
Para pessoas que não conseguem evitar serem boas
À mão agrupada em dor contra elas.
Para pessoas inarticuladas,
Pessoas que inventam sua própria feiura,
Que inventam dor, aterrorizadas pelo vazio;
E para pessoas que ficam para sempre na mesma encruzilhada
Esperando pelas chances que passaram.
E para aqueles que ficam de tocaia para si mesmos,
Que inventam força como um tipo de disfarce,
Que, perdidas em seus estreitos e autoderrotados mundos,
Carregam o remorso dentro de si como uma praga;
E para os que se procuram perdidos entre esses
Eu arrisco um poema.

3 – Poema Escrito na Rua em uma Noite Chuvosa

Tudo que eu perdi foi encontrado novamente.
Eu senti o gosto do vinho na minha boca.
Meu coração era como um vaga-lume; se movia
Através dos mais sombrios objetos rindo.

Haviam motivos suficientes para que aquilo estivesse acontecendo
Mas eu nunca parei para pensar sobre eles.
Eu poderia ter dito que era seu rosto,
Poderia ter dito que bebi algo idiota,

Mas nenhuma razão foi suficiente.
Nenhuma razão foi relevante;
Minha alegria foi ofuscada
Por arredores enfadonhos.

Um banquete se espalhou; um mundo
Se tornou comestível de repente.
E havia todo tempo do mundo para saboreá-lo.

4 – Cegueira

Canetas na mão
Pessoas estão escrevendo furiosamente os seus diários
Ao fim do dia –
Como podem eles saberem tão cedo
O que aconteceu?

5 – A Luz Um do Outro

Eu não sei o que me trouxe aqui
Para longe de onde eu quase não estive e agora
Provável que nunca mais vá de novo.

Rostos se perderam, e lugares passaram
Nos quais eu poderia ter parado,
E parando, ter ficado satisfeito.

Alguns rostos deixaram uma marca,
E eu neles posso ter forjado
Algum tipo de encanto ou feitiço
Para fazer o futuro deles funcionar,

Mas é difícil saber
Como uma pessoa pode
influenciar a outra.
Nós passamos, e brevemente acesos pelas luzes um do outro
Esperamos que o caminho que trilhamos seja o certo.

Todos os poemas são de autoria de Brian Patten, publicados em Selected Poems, 2007, pela editora Penguin. Todas as traduções são de minha autoria, Raphael Dias, que não tenho qualquer direito sobre a obra.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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