“Amor, Sublime Amor” emociona apesar da apatia dos protagonistas

Título original: West Side Story. Ano: 2021.
Direção: Steven Spielberg. Roteiro: Tony Kushner. Elenco: Ansel Elgort, Rachel Zegler, Ariana DeBose, iris menas, David Alvarez, Mike Faist, Rita Moreno e Maddie Ziegler.

Nota: ★★★★☆

Nesta adaptação moderna (mas ainda assim, de época) de Romeu e Julieta — que tem início com um longo e elaborado plano-sequência, que com quase 10 minutos já mostra a dimensão desta grandiosa produção — somos apresentados a dois jovens: Tony, um americano (interpretado de forma automática e apática por Ansel Elgort — que tem, é importante dizer, ótimos momentos nos números musicais), e Maria, uma porto-riquenha (interpretada de forma igualmente apática por Rachel Zegler, em sua estreia no cinema). O casal luta para superar as diferenças culturais e sociais no final da década de 50 — que ocorrem após um encontro com menos de 5 minutos de duração durante um baile com cenas de dança de tirar o fôlego.

Como era de se esperar, o casal se apaixona loucamente e planeja um possível futuro onde seu amor poderá existir sem os fatores étnicos, raciais e sociais que assolam o país no pós-guerra. A história de amor, no entanto, começa a se complicar quando se estabelece o mote do “amor impossível”, uma vez que o casal faz parte de gangues rivais que brigam por um território em um bairro multilíngue de Manhattan prestes a ser demolido para criação de um novo complexo de prédios. As gangues são os Sharks, composta por imigrantes porto-riquenhos trabalhadores; e os Jets, composta por americanos brancos racistas, baderneiros, xenofóbicos e transfóbicos. Infelizmente, Tony é o líder dos Jets, fato que não é aceito por Bernardo, irmão de Maria, e líder dos Sharks (curiosamente, interpretado por David Alvarez, nascido no Canadá, e de origem cubana).

Steven Spielberg — em seu primeiro musical — nos entrega um filme épico, que, embora não seja uma obra-prima per se (infelizmente a escolha para o casal de protagonistas é desastrosa) possui cores deslumbrantes e números musicais de tirar o fôlego, que filmados em planos abertos, nos permitem ver e absorver toda a grandiosidade dos movimentos — é bastante comum ver diretores inexperientes filmando cenas de dança em planos fechados que só mostram os atores da cintura para cima para disfarçar sua falta de talento. Se por um lado o casal de protagonistas não encanta, por outro, os soberbos trabalhos de Design de Produção, Figurino e Fotografia (fiquem atentos para os ângulos e tomadas mirabolantes do diretor de fotografia Janusz Kamiński, como por exemplo a já icônica cena da poça de água), são tão belos e estonteantes que nos fazem esquecer a falta de química do casal principal. Além do mais, uma personagem se destaca sem precisar fazer esforço algum: Ariana DeBose.

A jovem de 31 anos tinha uma missão nada fácil pela frente: dar vida à Anita, personagem interpretada por Rita Moreno na versão de 1961, cuja atuação rendeu à atriz a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante — sendo a primeira atriz latina a receber um Oscar. Curiosamente, DeBose chegou a recusar 4 convites para interpretar Anita antes de aceitar o papel. A atuação da jovem — que já possui uma consolidada carreira no teatro —, bem como sua vitalidade nos números musicais, é o que chama a atenção dos espectadores quando o foco são as atuações individuais.

Representatividade

É preciso, claro, destacar o maravilhoso trabalho de Paul Tazewell (o primeiro figurinista negro indicado ao Oscar em 94 anos de premiação e com produções como O sol tornará a brilhar, baseada na peça de Lorraine Hansberry; A cor púrpura, baseada no livro de Alice Walker; Uma rua chamada pecado, baseada na peça de Tennessee Williams e Summer: The Donna Summer Musical, curiosamente, estrelado por Ariana DeBose em 2017), responsável pelo figurino do filme, e como ele usa as roupas para indicar mudanças de humor e sentimentos dos personagens. No número musical “America”, por exemplo, Anita usa um belíssimo vestido amarelo que nos remete ao otimismo que os imigrantes sentem ao ir para os Estados Unidos. Em contrapartida, na cena do baile ela parece estar sentindo que uma tragédia ocorrerá na narrativa, pois passa a usar um vestido preto com forro em tons avermelhados, como se ela estivesse internamente banhada de sangue — detalhe que fica mais emblemático após uma cena perturbadora envolvendo Anita e membros da gangue dos Jets.

Sem dúvidas o talento nato de Ariana DeBose para dança faz com que ela seja, de fato, o ponto alto do filme. Não é à toa que a jovem já venceu o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante, além de estar indicada na mesma categoria no Oscar (a atriz fez história ao ser a primeira atriz negra abertamente queer a ser indicada ao Oscar — e ao ser a primeira mulher afro-latina abertamente queer a vencer o SAG Award pelo mesmo papel).

Além da indicação de DeBose, uma mulher negra e queer, e de Paul Tazewell, um figurinista negro, o remake também se destaca por atualizar vários arquétipos de personagens: no original personagens latinos eram interpretados por atores americanos brancos usando brownface — inclusive a protagonista, interpretada por Natalie Wood. Aqui Spielberg contratou atores latinos (ou de origem latina) de fato. Já Nobody, que na versão original era uma personagem tomboy estereotipada interpretada por uma mulher cis, passa a ser não binárie — interpretade por iris menas (que gosta de usar letras minúsculas em seu nome), ume atore também trans e não binárie. Fato que traz outra dimensão ao personagem, uma vez que por ser quem elu é, não é aceite por seus amigos de gangue (exemplificado já em sua primeira cena, quando é expulse por seus amigos antes de um ato de vandalismo, ou, principalmente, na cena do baile, quando elu é o unico personagem sem um par).

Mas mais do que um personagem trans, estamos diante de um personagem trans em uma narrativa que acontece no final dos anos 50, servindo ao mesmo tempo como um retrato fiel da época, visto que ainda que tentem ofender pessoas trans como sendo uma moda — ou algo que existe por causa da internet —, pessoas transmasculinas já existiam nos anos 30, 40 e 50, como por exemplo, o médico Alan L. Hart, nascido em 1890; o músico jazzista Billy Tipton, nascido em 1914; o cantor gospel Willmer Broadnax, nascido em 1916, entre outros.

A grandiosidade e a importância de Nobody está no fato de elu funcionar como uma síntese para todo tipo de pessoa que vivia e ainda vive às margens da sociedade. O que não faz muito sentido, na verdade, é o fato de Nobody — uma pessoa oprimida — fazer tanta questão de ser aceite por um grupo de brutamontes estupradores. Será mais um caso do clássico clichê do oprimido virando o opressor?

Ainda que este remake não esteja no mesmo nível de sua versão original (e nem tinha a obrigação de estar), e tenha sido um desastre em termos de bilheteria (com um orçamento de 100 milhões de dólares, a produção arrecadou apenas 73 milhões mundialmente), ele possui tantos detalhes técnicos impressionantes que é impossível não se emocionar quando os créditos finais começam a subir à tela.

Amor, Sublime Amor está indicado em sete categorias no Oscar de 2022, entre elas Melhor Filme, Melhor Diretor (Spielberg), Melhor Atriz Coadjuvante, (Ariana DeBose) Melhor Fotografia (Janusz Kamiński) e Melhor Figurino (Paul Tazewell).


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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