Resistência negra em “Angola Janga: Uma história de Palmares”, de Marcelo D’Salete

Angola Janga: Uma história de Palmares é uma narrativa gráfica de Marcelo D’Salete publicada em 2017. Utilizando a linguagem das histórias em quadrinhos Marcelo D’Salete traz nessa obra a história da resistência negra do período da escravidão, envolvendo Palmares, um dos principais conflitos do século XVII do Brasil colonial, provavelmente o maior levante negro na América.

Com Angola Janga, Marcelo D’Salete ganhou o Prêmio Jabuti na categoria quadrinhos em 2018, o Prêmio Grampo de Ouro em 2018 e o Troféu HQ Mix de 2018. Nesse mesmo ano Marcelo D’Salete realizou uma exposição individual dos originais de Angola Janga e também do livro Cumbe no Museu Afro Brasil, além de ter trabalhos expostos na mostra Quadrinhos, no Museu da Imagem e do Som (MIS).

O livro está dividido em 11 partes: 1. O caminho de Angola Janga; 2. Nascimento; 3. Aqualtune; 4. Cicatrizes; 5. Cucaú; 6. Encontros; 7. Selvagens; 8. Guerra do mato; 9. Doce inferno, 10. O abraço e 11. Passos na noite. Os capítulos são abertos com trechos de documentos sobre Palmares, produzidos por soldados, oficiais, senhores de engenho, governadores, padres, geralmente comprometidos com a destruição de Palmares. Depois temos as narrativas que ilustram o período dos conflitos, sob o ponto de vista dos Palmaristas. 

Como característico da linguagem das histórias em quadrinhos, as narrativas se desenvolvem quadro a quadro, alternando a narração em terceira pessoa e a voz de personagens que se expressam por meio dos balões.  Além da extensa pesquisa bibliográfica, para pesquisar as imagens do livro, Marcelo D’Salete visitou Alagoas e o Memorial de Palmares, localizado na Serra da Barriga.

O estilo e a forma com que Marcelo D’Salete conta a história dos Palmares com closes e detalhamento em cada quadrinho me lembra bastante o cinema. É comum que os quadrinhos sejam comparados ao cinema, mas no caso dessa obra essa característica me pareceu ainda mais saliente porque tem um cuidado grande com o detalhamento das imagens. Além disso, temos muitas imagens sem texto verbal que por si só produzem efeitos de leitura. Através das imagens sentimos o som das cenas, sem que isso esteja sugerido por onomatopeias, comuns na linguagem dos quadrinhos. 

Marcelo D’Salete faz uma interpretação sobre Palmares. Essa é uma obra que contribui fortemente para os estudos sobre este tema porque recupera traços da história que muitas vezes não está mencionada ou aprofundada nos livros e interpreta essa história pouco contada, de uma forma poética. Embora a narrativa sobre Palmares seja dura, o livro é muito bonito e acredito que isso pode aproximar leitores e leitoras principalmente os jovens, porque acredita-se que os quadrinhos é um tipo de leitura que é muito atraente para quem está se formando como o público-leitor.

No final do livro tem ainda um glossário explicando as palavras de influência africana que vieram com os escravizados (outra parte riquíssima que compõe a obra), tem ainda um texto escrito pelo próprio Marcelo D’Salete explicando a pesquisa para a composição do livro e como foi o processo de criação dessa obra,  uma cronologia sobre a guerra dos Palmares que ajuda a situar os leitores, mapas sobre a região de Palmares que nos norteiam quanto à geografia do espaço e também às questões da geopolíticas envolvidas na narrativa, e claro, uma lista com as referências bibliográficas que envolveram a pesquisa de Marcelo D’Salete para a composição da obra.

Angola Janga: Uma história de Palmares merece destaque porque assim como as outras artes, os quadrinhos ainda estão dominados por gente branca, e o Marcelo D’Salete vem produzindo de um modo muito frutífero já desde os anos 2000 vem abrindo espaço para que outros quadrinistas negros produzam também. Esta não foi a primeira história em quadrinho sobre Palmares, e como Palmares foi um grande acontecimento sempre merece novas interpretações. Angola Janga: Uma história de Palmares, contudo, é um exemplo de que podemos refletir sobre os acontecimentos históricos a partir da arte e da ficção.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

R$ 5.829/mês 72%

Participe do Clube Impressões

Clube de leitura online que tem como proposta ler e suscitar discussões sobre obras de ficção que abordam assuntos como raça, gênero e classe, promovendo o pensamento crítico sobre a realidade de grupos minorizados.