Arlindo, de Luiza de Souza (@Ilustralu), é um livro de histórias em quadrinhos publicado pela Seguinte neste ano de 2021. Antes de virar livro, Arlindo era uma webcomic que a autora publicava no Twitter, mas como fez muito sucesso, a Seguinte fez um financiamento coletivo que atingiu a meta em menos de 24 horas e levou exemplares dessa obra tão amável para várias bibliotecas do país.
Eu cheguei em uma idade em que falo com alguma nostalgia sobre os anos 2000 e quando converso com as minhas alunas de 14 e 15 anos, percebo como a experiência da adolescência mudou em 20 anos. Eu tenho amigas que nasceram nos anos 2000 e vez ou outra, sou aquela que começa uma frase com “Na minha época….”. O que eu gostei bastante é que Arlindo mostra a adolescência da minha época. Uma das diferenças entre a adolescência de hoje e dos anos 2000 é que apesar de naquela época, já estarmos na segunda década depois da abertura democrática, o Brasil ainda era um país muito, muito conservador e a tecnologia também ainda não estava tão instaurada em nossas vidas, como está hoje.
Nos anos 2000, a internet era um advento que começava a entrar na casa das pessoas e era muito comum ter que esperar dar meia noite ou chegar o fim de semana para poder usar a banda larga. Sem a internet, vivíamos um mundo muito restrito. A internet ampliou o acesso à informação e contribuiu para os movimentos de defesa dos direitos civis. Também nos anos 2000 o governo brasileiro começou a estabelecer leis que amparassem o direito de ser quem somos e hoje a liberdade de ser homem, mulher, trans, nb, ou qualquer outra coisa, está atrelado a esses avanços sociais.
Mas quem foi adolescente nos anos 2000 não viveu isso. E foi difícil. Foi difícil lidar com os padrões impostos, sobretudo, os padrões heteronormativos. É preciso relembrar este contexto sempre porque os choques de gerações muitas vezes acontece, é preciso lembrar que os nossos direitos civis foram garantidos com luta.
Mas vamos falar dessa época a partir dessa obra tão lindinha e poética: O Arlindo é um adolescente que mora em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Norte, ele aluga filmes na locadora para ver com as amigas, gosta de Sandy e Junior e ajuda a mãe. Como todo adolescente, Arlindo está na fase da paquera e percepção da própria sexualidade. Mas o Arlindo gosta de meninos e isso traz muitos problemas para ele dentro de casa e na escola porque ele está desviando daquilo que é considerado normal.
O padrão heteronormativo continua existindo em nossa sociedade e uma das dificuldades nos anos 2000 era a ausência de representatividade, de outros exemplos fora deste padrão. Arlindo é uma obra otimista porque além das amigas dele que se paqueram entre si, o Arlindo tem ainda uma tia lésbica que é aceita por parte da família, menos pelo pai dele, que deseja que ele seja um garanhão que arrasa o coração das mulheres. Essa narrativa então, se desenvolve em volta deste conflito: a luta de Arlindo para poder ser o que se é.
A estética desta história em quadrinhos é muito cativante porque tem um traço divertido, cores vibrantes e muitas referências aos anos 2000, como música, filmes e… o MSN! Arlindo não é só uma leitura reflexiva e divertida, traz também um tom nostálgico para quem viveu os anos 2000, além de mostrar para quem é adolescente hoje como as coisas já foram mais difíceis. É perceptível que embora ainda tenhamos muito para avançar, as coisas já melhoraram em alguma medida. Hoje em dia temos muitas obras dentro desta temática, por exemplo, temos mais acesso à informação e isso ajuda muito.
Essa leitura iluminou algumas partes da minha vida e me identifiquei muito com a amizade do Arlindo e da Mari. Eu lembrei com todo carinho do meu melhor amigo da escola, ele era diferente de todos os outros, o mais sensível e inteligente e não é estranho que eu só quisesse saber dele, contudo, ele mudou de escola e sumiu da minha vida. Anos depois ele me contou que isso tinha a ver com a sexualidade dele, ele não era aceito em casa e a mãe já sabia que naquela época eu frequentava a parada (GLS, naquela época) e podia ser uma péssima influência para ele, a diferença é que eu não tinha a sorte da Mari, amiga do Arlindo, porque não havia garotas na escola que eu pudesse paquerar, isso não era uma possibilidade e a vida era muito difícil mesmo! (#desabafo) Mas eu fico imensamente feliz que hoje a gente tenha mais pessoas como nós à nossa volta.
Arlindo é uma obra que fala sobre isso mesmo: encontrar a força nas pessoas que amamos e em nós mesmos. A vida é muito boa quando percebemos que não estamos só. Tenho uma listinha de amigues para quem eu gostaria de emprestar ou dar esse livro, com isso quero dizer que recomendo Arlindo, profundamente. Você vai gostar dessa leitura!