Bruxa Akata- Nnedi Okorafor


Em Bruxa Akata, livro da escritora Nnedi Okorafor, traduzido por João Sette Câmara  e publicado no Brasil pela Galera Record, conhecemos Sunny, uma garota de 12 anos, filha de pais nigerianos que moraram em Nova York, onde Sunny nasceu. Ao completar nove anos, seus pais resolveram morar na Nigéria novamente. Irmã mais nova de dois garotos, Sunny tem feições africanas, mas também é albina, condição que a impede de sair de casa sem um guarda-chuva para a proteger dos raios solares. Por isso também, só pode jogar futebol com os irmãos à noite.

Na escola, Sunny é uma das melhores da classe, mas por ser albina frequentemente tem que aturar a implicância dos colegas chefeados por Jibaku, a garota que mais implica com ela. Um dia, depois de uma atitude de uma das professoras, Sunny ficou ainda mais mal vista pelos colegas e foi chamada de “bruxa akata“, uma palavra muito grosseira usada para se referir a americanos negros ou negros nascidos no estrangeiro, que significa “animal selvagem”. No final da aula, alguns colegas a atacaram fisicamente e só um colega a defendeu. Esse garoto era Orlu. Desse dia em diante, os dois começaram a ser amigos.

Depois de Orlu, Sunny também faz amizade com Chichi, uma garota que já era amiga do garoto e aparenta ter a mesma idade que eles mas se recusa a revelar sua idade real. Mais para frente, Sasha, outro garoto, também é incluído no grupo.
Junto com os novos amigos, Sunny vai descobrir que o mundo no qual ela vive vai muito além do que seus olhos podem ver, de modo que aos poucos vai descobrindo que possui alguns poderes mágicos. Na medida que Sunny vai aprendendo sobre a nova realidade na qual está se inserindo, o leitor também vai aprendendo junto. 

Sunny descobre que é uma pessoa-leopardo e uma agente livre, ou seja, uma pessoa que tem poderes místicos, mas que vem de uma família que não tem esses poderes, o que a faz transitar entre as duas realidades, a considerada normal e a outra, mística. As pessoas sem poderes são chamadas de ovelhas, pessoas sem juju, sem capacidade de fazer feitiços. Assim, vamos entrando no universo de Leopardo Bate, conhecendo as características físicas e geográficas desse lugar e as pessoas que o povoam.
O dinheiro de Leopardo Bate é o chittin. As pessoas ganham ele quando aprendem algo novo e assim podem gastá-lo com o que quiserem comprar, mas depois de um tempo os chittins somem, de modo que as pessoas-leopardo não podem acumular riquezas materiais e são incentivadas a sempre irem em busca de conhecimento, principalmente se quiserem passar por níveis para chegarem em um posto alto.

Os quatro amigos têm diferentes personalidades, mas funcionam bem juntos. Equilíbrio é uma boa palavra para esse grupo. Não deixam de lado suas características individuais pelo coletivo, o que talvez seja a principal razão de se darem bem, mas também se desentenderem. Sunny é a garota que está aprendendo tudo agora, Orlu é o certinho, o que faz tudo de acordo com as regras, enquanto Chichi é a arrogante, pretensiosa, que acha que é capaz de tudo, já Sasha não respeita regras e acaba sendo inconsequente.
O grupo forma um clã e recebem como missão deter um assassino em série que está causando pânico não só no mundo normal, mas também no mundo místico. O que não é uma tarefa nada fácil, já que se eles falharem, o mundo todo estará correndo sério risco de destruição.

A família de Sunny é complicada, principalmente por conta de seu pai, com quem não tem uma boa relação. Ele não se esforça para esconder que esperava que Sunny fosse um garoto e além disso, não lida muito bem com o fato dela ser albina. Ou seja, a culpa por duas coisas que ela não tem como mudar: “Às vezes eu odiava meu pai. Às vezes achava que ele me odiava também. Eu não tinha culpa pelo fato de não ser o filho que ele queria, ou a filha linda que ele teria aceitado em vez disso” (p.12). 
A relação com sua mãe é mais tranquila, ainda que haja alguns assuntos que a mãe evite abordar com ela.

O enredo constrói e apresenta um mundo totalmente novo, com suas próprias particularidades e regras. Um mundo que coexiste em paralelo com o mundo tal como conhecemos. É nesse mundo novo, que tem seu próprio sistema, que tem magia e misticidade, que repousa a mitologia africana que o compõe. Alguns aspectos podem ser mais reconhecíveis para quem já possui algum conhecimento desse universo, como o ritual de iniciação pelo que Sunny passa ou o respeito pelos mais velhos, por exemplo, para quem não conhece, pode ser um bom primeiro contato.

Os personagens são bem construídos, apresentam profundidade psicológica e a que mais gostei foi a Sunny. Ela é empenhada e consegue conciliar bem todo o aprendizado dos dois mundos. É corajosa e não deixa o medo a paralisar. Sunny aprende muito ao longo da narrativa, certamente quando chega no final já não é mais a mesma pessoa do início. Por ser albina, uma das principais ofensas que houve é em relação à sua cor de pele, mas tem plena consciência de que não é branca e não deixa ninguém dizer o contrário. 
Acho que a Sunny pode ser uma referência muito positiva para outras garotas porque ela é uma boa aluna, gosta de ler (no livro é citado que ela está lendo Hibisco Roxo, da Chimamanda Ngozi Adichie), joga futebol bem e não se deixa intimidar pelos garotos que acham que meninas não podem jogar e ainda por cima, lida com questões de identidade por ter nascido em um país e morar em outro, além das novas descobertas sobre quem ela é. 

O livro provoca reflexões muito pertinentes sobre machismo, tanto no ambiente familiar quanto em relação a presença de mulheres no futebol. Além disso, outro assunto abordado é a violência policial nos Estados Unidos.
Se tem algo que  eu destacaria como negativo é o excesso de descrição, muitos detalhes que só fazem o ritmo da leitura se tornar arrastado. Entendo que é preciso apresentar esse mundo novo, mas tem detalhes que são facilmente dispensáveis.


Dizem que “Bruxa Akata” é o “Harry Potter” nigeriano, o que com certeza é bastante atrativo comercialmente falando, uma vez que existe uma grande quantidade de fãs do bruxo no mundo. Apesar de ter mesmo algumas semelhanças, como os mundos que existem em paralelo, mundos mágicos com suas próprias particularidades, os poderes e tudo mais, acho que pode ser um tanto limitante fazer essa comparação. O universo de Bruxa Akata é muito rico, talvez fosse mais agregador apreciar as particularidades que a narrativa apresenta, principalmente na questão da mitologia africana, que é vastíssima e é um recurso inovador. Que outra fantasia é totalmente baseada em elementos da cultura africana?

10 respostas

  1. Com certeza é uma obra que supera expectativas a começar pela representação especial que dá aos africanos, coisa que não acontece com frequência. E tem ainda a questão dos outros tipos de preconceito além de mesclar com aspectos místicos, um livro para atrair todo o público possível e passar uma mensagem que contribua na construção de uma sociedade melhor. Obras assim me fascinam! Preciso muito conhecer o livro!
    Ótima sugestão!
    Abraços! 😊

  2. Eu me interessei por essa leitura <3
    Fiquei super curiosa para conhecer melhor a história e entende o pq dessa comparação com o Harry Potter – pq não vi sentido, se isolar a parte "mágica". O que me atraiu mesmo foi o fato de finalmente colocarem uma personagem albina como protagonista e a representação africana =)

    Sai da Minha Lente

  3. Oie, tô lendo esse livro agora e to meio desanimadinha, esperava realmente um HP da Africa mas são tantas descrições que to ficando cansada, sabe? Realmente nao quero abandonar a leitura porque como voce disse, a protagonista é surreal de incrível, espero que as coisas melhorem!

  4. Oi, tudo bem?
    Eu adorei a resenha e foi a primeira que li desse livro. Achei o contexto da história bem interessante e diferente do que costumamos encontrar, só por isso já vale a leitura. Não sei se é um livro que investirei imediatamente, mas anotei a dica para ler futuramente.

    Beijos,

    Rafa – Fascinada por Histórias

  5. OI Maria,
    Eu vi muita gente falando bem desse livro, mas confesso que não imaginava se tratar de uma fantasia, e isso despertou muito a minha curiosidade. A sua é a primeira resenha que leio e realmente achei incrível, já quero pra ontem.

    Beijokas

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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