Carlos Ruiz Zafón escreve sobre o amor com pinceladas góticas em “A cidade de Vapor”

Publicado no Brasil pela Companhia das Letras, e traduzido a quatro mãos por Ari Roitman e Paulina Wacht, A Cidade de Vapor contêm histórias que possuem alguns temas em comum, ainda que não diretamente: o luto, a busca pelo amor, arquitetura neoclássica (Não, você não leu errado) e paternidade. 

Vários personagens estão lutando contra a dor de ter perdido alguma pessoa querida; seja o aventureiro que reconta a história de sua amada, já morta; seja o filho que precisa aprender sobre a vida sozinho, visto que o pai o culpa pela morte da mãe, durante o parto; ou até mesmo de uma filha que, graças ao pai, virou uma especialista em se transformar em mulheres já mortas, para que seus familiares próximos pudessem usá-la para atenuar os efeitos do luto em suas vidas.

Composto por onze contos — sendo três inéditos —, um mais interessante do que o anterior, este magnífico A Cidade de Vapor leva o leitor por uma viagem que pode ter como destino às vezes o início do século 20, às vezes no século 15. Com contos que se conectam direta ou indiretamente por estilo, graças à escrita e à ambientação de Zafón, ou por possuirem um charmoso estilo gótico, ou, ainda, por seus personagens, que eventualmente voltam a aparecer nos contos em que não são protagonistas, muitas vezes portando apenas o sobrenome de um parente distante, já falecido, que protagonizou alguns dos contos ambientados quatro ou cinco séculos no passado.

Com mãos hábeis, Zafón leva o leitor pelas ruas de uma Barcelona velha, escura, por vezes fantasmagórica e neblinosa — arrisco usar “vitoriana”, mesmo sabendo que não existiu oficialmente tal período na Espanha. O autor nos leva entre em ruelas e becos sem saída, e nos apresenta uma variedade de personagens de diversas classes sociais e séculos. Em determinado momento, por exemplo, terminamos um conto situado no século 20 e quando menos percebemos, ao virar a página, estamos em Constantinopla, onde um criador de labirintos, a pedido do imperador Constantino, precisa construir o maior e mais complicado labirinto, para assim atrasar a chegada iminente dos inimigos do imperador. 

Com Zafón, o pacato camponês de um conto tem a mesma importância literária do que o morador rico de um imponente castelo, que por sua vez não é menos ou mais importante do que nada mais nada menos do que um dragão, ou de um menino pobre de 8 anos que descobre o amor ao encontrar uma adolescente rica. No conto que abre o livro, existe até mesmo um padre com ar de pugulista que parece ter caído de paraquedas diretamente de um livro pulp deveras hardboiled — dialoga indiretamente, em tema, com o protagonista de “Homens Cinzentos”, um assassino de aluguel que se prepara para um último trabalho. Todos eles têm algo a oferecer ao leitor que decidir ocupar seu tempo com o universo criado pelo autor.

A cidade de Vapor é uma pequena joia póstuma que reúne trabalhos até então publicados de formas espaçadas em diferentes lugares e décadas, formando um charmoso pequeno livro, que com menos de 190 páginas, e absurdamente onírico ao mesclar elementos do romance histórico, do thriller, do surrealismo e do gótico, tem tudo para ser uma companhia perfeita para o leitor acostumado com o melhor que a literatura espanhola tem a oferecer.


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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