Fonte: site Hysteria |
Texto por Mayra Guanaes
Já tinha ouvido falar sobre o conto “Cat Person”. Por isso, quando a lista de possibilidades de leitura da nova parceria do blog veio, não tive dúvidas de que o livro Cat Person e outros contos da autora norte-americana Kristen Roupenian com a tradução de Ana Guadalupe seria o meu escolhido. E fui direto ao ponto, começando minha leitura na metade do livro, justamente por “Cat Person”.
Cotidiano, contemporâneo, leve e simples, este conto me possibilitou muita identificação. Lembrei da Mayra de 20 anos, idade da protagonista mas não deixei de notar que a Mayra de 28 também vive situações muito parecidas com as retratadas em “Cat Person”. Me arrisco a dizer que, todas nós, diante das condições da nossa atualidade, já viveu algo parecido. “Cat Person” fala de expectativa e frustração nas relações afetivas/sexuais em tempos de internet.
Mas quem abre o livro é o conto “Seu safadinho” que explora a temática das relações sexuais envolvendo jogos de dominação. Talvez indigesto, o primeiro conto do livro já nos mostra a habilidade de Kristen Roupenian em nos prender nas tensões narrativas que cria, esta, inclusive, parece ser a tônica do livro: a tensão.
As relações afetivas/amorosas/sexuais intermediadas pela tecnologia são apresentadas sob várias óticas diferentes, femininas, masculinas, vozes narrativas em terceira pessoa, ora bastante próximas do contexto das situações narradas, ora não. Esta característica do livro me encantou: Kristen Roupenian além de construir personagens com precisão, apresenta os pontos de vista narrativos de uma forma bastante ampla, com enredos bastante distintos.
Os contos exploram bastante a relação entre “casais” mas também há personagens interessantes como a mãe separada de “Sardinha” que organiza uma festa para a filha, um professor que está em uma missão no Quênia, d’ “Os corredores noturnos” e Jéssica que tinha 12 anos no início da década de 90 quando descobre Gun’s Roses e sente medo de um estranho que conhece no parque.
São doze contos que mesclam a tensão da incomunicabilidade presente nas relações, com um humor bastante sutil. Cada conto deste livro merecia uma resenha própria, é claro, mas tentando observar o livro Cat Person e outros contos em sua totalidade, para além das informações já mencionadas na capa do livro, me pareceu bastante curiosa a forma como Kristen Roupenian constrói seus personagens masculinos: Frágeis.
Temos personagens masculinos com muitas fragilidades em relação à identidade, sexualidade, afetividade e até mesmo à masculinidade. O conto mais longo e por isso, sugestivo, até mesmo cansativo, abre a segunda metade do livro (posterior a “Cat Person”) e tem como enredo o desenvolvimento das relações de um rapaz de 35 anos, com problemas de ereção. O ponto de partida é uma situação cotidiana, até bastante comum, mas a partir deste ponto, a autora explora muitas questões contemporâneas, haja vista que atualmente temos um avanço na discussão a respeito do papel social das homens e das mulheres.
Com um tom de provocação, temos nestes contos, personagens masculinos sempre sob o poder do protagonismo das mulheres em suas várias nuances. Por outro lado, a representação destes personagens amplia nosso olhar a respeito da subjetividade masculina, quais questões podem estar por trás do comportamento dos homens?
Nesse caso, o livro parece apresentar sugestões. Entretanto, não ignora as consequências de vivermos em uma sociedade em que não há condições igualitárias entre homens e mulheres. Neste sentido, me parece que Kristen Roupenian é um nome bastante significativo porque a partir do seu livro de estreia podemos discutir, por exemplo, as questões e expectativas de gênero.
Quem fecha Cat Person e outros contos é o conto “Aquela que morde” e em sua última página, a respeito de um personagem abusador, temos um alerta: “Há um daqueles em toda empresa: o homem sobre o qual todo mundo cochicha.”
Kristen Roupenian é uma autora que pode suscitar uma série de cochichos entre as pessoas que gostam de ler um bom livro e que se interessa pela literatura produzida por mulheres, no entanto, Cat Person e outros contos chega como um berro alto, difícil de abafar.
Uma resposta
Que resenha incrível. O livro parece maravilhoso. Não conhecia, mas vou adicionar a lista de desejados nesse instante.
Vidas em Preto e Branco