Quando escrevi a respeito de O avesso da pele, romance de Jeferson Tenório, disse que “o luto é uma experiência muito particular. Por mais que as dores da partida sejam compartilhadas, cada indivíduo lida a seu modo com as feridas causadas por essa ruptura que é a morte. Há quem foque todas as suas energias no trabalho para que a cabeça fique longe, sem precisar enfrentar o vazio que se forma; há quem não consiga parar de rememorar as lembranças de quem se foi e assim prefere”. Reavivo esse comentário pois ele cai muito bem para Notas sobre o luto (Companhia das Letras), uma das maneiras como Chimamanda Ngozi Adichie encontrou para lidar com a partida repentina de seu pai.
Traduzido por Fernanda Abreu, Notas sobre o luto é um ensaio bastante íntimo no qual Adichie mergulha em sua dor no que parece ser uma tentativa tanto de entender como de aceitar o adeus inesperado que teve que dar àquele que tanto amava. Neste ensaio, composto por 30 notas breves, a autora se expõe sem muita firula ou grandes preocupações estéticas. A intenção aqui está mais para um expurgo do sofrimento do que para o fazer literário. Portanto, é compreensível que o texto seja mais direto, quiçá cru. Mas isto não significa, de jeito maneira, que Notas sobre o luto seja mal escrito. Pelo contrário: Chimamanda Ngozi Adichie não é uma autora tão celebrada à toa. Apenas a sua motivação é outra. E se pararmos para pensar, um texto sem muitas voltas é, no que tange à forma, coerente com a proposta do ensaio. Tenha sido esse movimento uma escolha da autora ou não, pouco importa. No final das contas, tudo se encaixa.
Ao longo do ensaio, conhecemos um pouco de James Nwoye Adichie, um homem bem importante para a sua comunidade. Segundo sua filha conta, era considerado o maior professor de estatística do seu país, tendo sido nomeado professor emérito da Universidade da Nigéria. Mas não só: Nwoye Adichie era visto por todos com um homem honesto, gentil e íntegro. E o amor que a família tinha para com ele era um reflexo disso. E se em outras condições uma perda já seria sentida, nesse contexto, o sentimento de não ter mais esse amor de forma tangível é inimaginável. Em Notas sobre o luto não faltam exemplos de como essa ferida ainda está escancarada.
Chimamanda Ngozi Adichie escreve que a gente “aprende quanto do luto tem a ver com palavras, com a derrota das palavras e com a busca das palavras”. De certa forma, essa é a tônica de seu ensaio. Uma escritora que a todo momento busca maneiras de expressar aquilo que sente. Mas como fazê-lo quando o afeto é limitante? A saída de Adichie foi não se furtar de nada. Não à toa, ela escreve, “minha cautela em relação aos superlativos é para sempre eliminada: 10 de junho de 2020 foi o pior dia da minha vida”, nos mostrando que às vezes é necessário subverter algumas regras, mesmo que pessoais, para que se alcance o fim pretendido. Fim esse que aqui não é nada mais do que dizer o que se quer e precisa, mas não há rebusques que dê conta.
Notas sobre o luto é o mergulho de uma autora nesse mar vazio, silencioso e imprevisível que é lidar com a falta de alguém que jamais será suprida. Não há mais tempo, não há mais voltar atrás. O que resta são apenas lembranças. O que chega, saudade. Chimamanda Ngozi Adichie se abre para tentar fechar esse buraco que a morte lhe trouxe. E perpassando um sentimento egocêntrico, mas compreensível, ainda nos lembra que nessas horas, apesar de tudo, o mundo continuará se movimentando, como sempre foi, enquanto dentro de si tudo se desintegra de forma permanente.
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