Como respirar debaixo d’ água-Julie Orringer

Este é um livro composto por nove contos e todos possuem algo em comum: a narrativa focada em acontecimentos na vida de crianças, jovens e adolescentes.
O título, “Como respirar debaixo d’água”, é tirado de uma frase que está em um dos contos. A frase é: “Esta noite, pela primeira vez, vou começar a aprender o que meus peixes sempre souberam: como respirar debaixo d’água”, que faz parte do conto “O peixe Isabel”. Nele, uma menina que tem um pouco menos que dezesseis anos, sofre com o trauma de ter sofrido um acidente de carro, no qual o carro afundou na água e ela conseguiu salvar-se mas não conseguiu salvar a namorada de seu irmão, Isabel. Ficou traumatizada a ponto de não mais conseguir entrar na água e seu irmão nunca a perdoou pelo acidente, sempre a fazendo sentir-se culpada. Os pais dos dois resolveram colocá-los para fazerem aulas de mergulho com a finalidade de se preparem para as férias em família, nas Antilhas Holandesas, o que seria uma espécie de terapia para superação do acidente. O desfecho do conto é bem bonito, nos fala de superação e de como o apoio familiar é importante.

Um dos contos que tem como título “Quando ela for velha e eu famosa”, nos expõe a relação de duas primas, uma que se considera gorda e faz aulas de pintura, mas acha que não pinta bem e a outra é sua prima que é uma modelo famosa. A primeira, Mira, recebe em sua casa para passar alguns dias, Aïda, a modelo. Mesmo sendo primas, as duas nunca se deram muito bem e para elas é um desafio os dias que passam juntas. No final, depois de viverem algumas experiências, o relacionamento das duas melhora um pouco. É um conto que trabalha os estereótipos presentes na sociedade, como o preconceito contra as pessoas que estão acima do peso.
“Lembretes para uma menina da sexta série” é bem interessante porque a estrutura é mesmo em forma de lembrete. Começa assim: “Às quarta-feiras, usar saia. Saia é melhor para dançar. Depois da aula, lembrar de não pegar o ônibus. Em vez disso, ir ao McDonald’s. Pedir batata-frita”. E o conto continua com todos os verbos ou no infinitivo ou no imperativo.
“O caminho mais fácil é cheio de pedras” é sobre uma garota de família judia não-praticante, que por estar com a mãe doente vai passar alguns dias com a família de uma prima, que são judeus ultraortodoxos e ela tem que se inserir na rotina dessa nova família seguindo algumas regras como estudar a Torá e rezar. Um dia, as duas primas seguem um garoto e veem que ele esconde um livro proibido e para que esse garoto não cometa pecado lendo o livro, elas resolvem levar o livro e escondê-lo, mas não resistem e acabam lendo. É um conto que mostra o quanto a fé é capaz de modificar uma pessoa.
“As estações da via-sacra” trabalha um pouco com a questão do racismo quando um grupo de crianças brincam de encenar a crucificação de Jesus e escolhem o único garoto negro para representar o papel principal. A princípio não permitiram que ele desempenhasse esse papel, mas pensaram melhor e deixarem que ele participasse da brincadeira, porque mais para frente o deixariam preso na cruz e não o soltariam. Uma brincadeira de muito mau gosto, claro, mas também muito reflexiva.
Por meio de uma linguagem direta, os contos nos prendem porque narram cenas que todos nós já vivenciamos de alguma forma quando éramos crianças. Nós faz recordar nossos traumas e refletir sobre o legado deixado em nossas vidas.
Comecei a leitura de forma totalmente despretensiosa, sem saber o que esperar, uma vez que é o meu primeiro contato com a escrita da Julie Orringer, e me surprendi.
Da autora, temos este livro de contos de 2007 e o romance “A ponte invisível”, de 2012. Ambos publicados pela Companhia das Letras.

2 respostas

  1. Oi Maria.

    Outro livro que não conhecia. Estou adorando cada visita que faço ao seu blog. Aqui pego indicações super legais sem que sejam daqueles livros que foram lançados recentemente. Você fala sobre algo que quase ninguém está falando. Adoro isso! 😀 😀
    Eu não gostava muito de livros de contos, mas em uma maratona de férias me obriguei a ler vários deles e acabei adquirindo gosto por esse tipo de leitura. Achei bem interessante a temática do livro, por falar de coisas que acontecem na infância e na adolescência e que envolve preconceitos e mágoas profundas. Super indicação, já anotei aqui! 😀 😀
    Bjoks da Gica.

    umaleitoraaquariana.blogspot.com

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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