Cores Vivas- Patrice Lawrence


Cores vivas, de Patrice Lawrence, é um livro que tem como temática algo que é muito recorrente na vida de homens negros: serem acusados injustamente de um crime porque sua cor de pele é mais do que suficiente para atestar qualquer acusação, mesmo que não tenham sido eles a cometerem efetivamente o que estão sendo acusados. Quando se é negro, não se tem direito à dúvida, sempre parte-se do pressuposto da culpa.


Marlon Sunday é o protagonista e narrador deste livro. Em sua narrativa em primeira pessoa, conhecemos um garoto de 16 anos, estudioso, fã de ficção científica e de música, advindo de uma família da periferia de Londres, que tem uma melhor amiga, Tish. Sua vida era calma e sem grandes acontecimentos, até que se vê envolvido na cena de um crime.

Tudo muda na vida de Marlon quando ele aceita um convite de uma das meninas mais bonitas de sua escola, Sonya, para passearem juntos em um parque. Ele, inocentemente aceita o convite, imaginando que seria um encontro romântico, mas acaba que se vê envolvido na cena de um crime, na qual é suspeito de tráfico de drogas e morte. 

Quando é interrogado pela polícia, as perguntas feitas por aqueles que deveriam buscar a verdade, partem do pressuposto de que Marlon, por ser negro, só pode ser o culpado. Quando sai o resultado da perícia, ele finalmente pode respirar aliviado porque não é mais tido como suspeito pela polícia, no entanto, começa e enfrentar uma perseguição muito pior. Começa a ser perseguido por três garotos de gangue, que são capazes de qualquer coisa para terem de volta algo que está com Marlon.

Assim, sendo perseguido e sem poder contar com a polícia para se proteger, Marlon se vê envolvido em um universo de investigações por conta própria, tendo que quebrar a promessa que fizera para Jenny, sua mãe, de não seguir os mesmos passos do irmão, Andre. Seu irmão mais velho foi gângster pelas ruas de Londres, o que causou muita tristeza para sua mãe e fez com que ele acabasse em uma clínica de reabilitação depois de um episódio traumático.

Por não ter para quem pedir ajuda, Marlon acaba virando refém de uma estrutura que é cíclica. Ele precisa fugir desse ciclo de violência, mas para isso, não tem como não colocar sua vida e a de sua família em risco. Apesar das decisões inconsequentes e impensadas, que beiram a ingenuidade, o que pode ser atribuído à pouca idade e à pressão do momento em que vivia, Marlon é um personagem totalmente cativante, inspirador e carismático, que precisa lidar com seus conflitos internos e externos. Enquanto lida com eles, transforma o que vê em cores por meio de metáforas, escuta muita música e lembra de seus referenciais de filmes e livros.

Para além do personagem principal, outra que chama bastante atenção na narrativa é a mãe do protagonista. Ela trabalha como bibliotecária, perdeu o marido para um câncer e criou dois filhos, nunca abandonou ou desistiu deles, mesmo quando seu filho mais velho entrou para o mundo das gangues. É uma mãe presente e que apesar da perda, não se fechou para o amor. Rompe com os estereótipos da mulher negra forte o tempo todo. Ela é uma pessoa humana, que também sofre, mas que defende seus filhos com unhas e dentes porque sabe o quanto o sistema é racista.

O livro foi publicado em 2019 pelo selo DarkLove, da editora Darkside, com tradução de Cecília Floresta. A tradução deixa transparecer o projeto estético da narrativa com sua linguagem coloquial e cheia de gírias, o que também colabora muito para a construção de uma imagem real do personagem e da história. Há também algumas expressões bastante brasileiras e até mesmo políticas.

Um diferencial deste livro é a trama ser ambientada em Londres. Normalmente livros que discutem a questão racial, principalmente no que se refere à polícia racista, são ambientados nos Estados Unidos. É uma história muito real e palpável. Nos faz refletir sobre determinismo social porque apenas pelo fato de Marlon ter um irmão que já foi de gangue, a polícia espera que ele siga pelo mesmo caminho. 

Cores Vivas é um livro com o qual a autora Patrice Lawrence nos faz refletir sobre as injustiças, as discriminações e conhecendo a realidade, esperar o pior. Sua escrita é sensível e cativante, nos prende desde as primeiras páginas. Cores vivas é uma história de medo e violência, mas também de amizade e lealdade. História comovente e instigante, totalmente verossímil.

A edição física do livro é umas coisas mais lindas: capa dura, fita para marcar as páginas e o projeto gráfico maravilhoso. Percebemos que as cores saem da narrativa para a capa e a lombada. Uma trabalho muito primoroso.

A autora Patrice Lawrence com seu livro no título  original, Orangeboy,

Patrice Lawrence nasceu em Brighton, Sussex, tem mestrado em escrita para cinema e TV. Teve a ideia para Cores Vivas quando participou de um curso de escrita forense da Arvon Foundation. O livro venceu o YA Book Prize e o Waterstones Children’s Book Prize for Older Children em 2017, e foi finalista do Costa Children’s Book Award em 2016. Lawrence escreve em seu blog, The Lawrence Line, a respeito de suas experiências com escrita.

7 respostas

  1. Maria, eu não tinha conhecimento desse livro, devo dizer quer adorei sua resenha e que além da temática do livro, fez eu querer esse livro logo, eu sempre acabo sofrendo muito lendo livros que retratam racismo e preconceitos, mas esses livros são TÃO necessários e importantes, eles merecem sempre ser divulgados e sem dúvidas exaltados!! Obrigado pela dica, vou por em minha lista de leitura!!

    Beijos!
    Eita Já Li

  2. Oi Maria.

    Eu vi este lançamento da Darkside mas resenha ainda não tinha lido e espero ter a chance de lê-lo pois pela sua opinião é uma história bem interessante e importante. Vale a pena conferir por causa dos assuntos abordados. Obrigada pela dica.

    Bjos

  3. Gente, que incrível! Eu vi uma resenha desse livro, mas eu acho que a sua é que mais me impactou. Não tinha parado ainda para analisar que livros com temas raciais eram mais abordados nos EUA. Confesso que uma das metas de 2020 é ler bastante livros que abordem essas questões. Quero conhecer mais! E sem falar que essa edição da Darkside está um arraso! Parabéns pela resenha.

    Beijos,
    Blog PS Amo Leitura

  4. Não conhecia esse livro e além de uma edição linda, traz uma temática que não pode deixar de ser debatida nunca. Parabéns pela resenha, amei a dica e já anotei!!!

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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