Devoção- Patti Smith

É possível que Devoção tenha sido um dos livros mais comentados no ano de 2019, isso porque Patti Smith vem produzindo significativamente desde a década de 70, sendo assim, cada novo livro da autora é sempre muito aguardado.
 
Devoção mistura os ensaio e ficção. Acompanhamos o processo de escrita de um conto que depois é possível lermos neste mesmo livro, dividido em três partes: Na primeira, Patti Smith vai à Paris, na segunda temos o conto e na terceira parte a autora volta para a cena narrando a visita que faz à casa de Albert Camus onde observa o manuscrito inacabado O primeiro homem.
 
O que mais me chamou a atenção em Devoção é a reflexão que Patti Smith faz sobre o processo criativo. Logo nas primeiras páginas, ela tenta escrever alguma coisa mas as ideias não surgem, as palavras não se transformam no papel mas nesta mesma semana, a narradora está preparando para falar em eventos literários justamente sobre a escrita “uma escritora que não escreve se preparando para falar sobre a escrita”.
 
Mas neste livro Patti Smith nos ensina sobre escrita já que descreve o processo criativo do conto sobre uma patinadora que se materializa na parte central do livro. Cheio de frases reflexivas sobre a escrita como “Quase sempre a alquimia que dá origem a um poema ou a uma obra de ficção fica escondida na própria obra, se não incrustada nas serpenteantes cordilheiras da mente” em que Patti Smith explica os caminhos que a fez chegar em Devoção.
 
O título “devoção”, aliás, é tradução de devoument, palavra que Patti Smith lê na lápide de um cemitério que visita ao procurar Paul Valéry.
Patti Smith nos ajuda a compreender a arte da escrita. Por exemplo, eu nunca havia reparado que tem uma época em nossa vida em que a veia poética já existe, mas ainda não a compreendemos: “Tínhamos vinte e poucos anos, aquela idade em que tudo, inclusive a cabeça sentimental do poeta, era uma revelação”.
 
Na última parte somos instigados pela pergunta “Por que escrevemos?”
E Patti responde sem nos deixar sós “Porque não podemos somente viver”.
 
Ela se prepara para viajar a Paris e percebe que ainda não escolheu o livro que levará “a ideia de embarcar num avião sem um livro produz uma onda de pânico” e Devoção, um livro fisicamente pequeno que cabe em uma pochete me acompanhou em muitas idas e vindas de metrô.

 

 
Obrigada, Patti.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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