Ensaio sobre a cegueira- José Saramago

Neste livro podemos ver o que aconteceria se todas as pessoas ficassem cegas.
O primeiro caso de cegueira acomete a um homem enquanto ele está esperando o semáforo abrir. Mas não é uma cegueira comum, é branca, como se estivesse mergulhado em um mar de leite. E assim, pouco a pouco, as pessoas vão cegando. Primeiro as que tiveram algum tipo de contato com quem já estava cego e depois aleatoriamente, sem obedecer nenhuma sequência lógica.
O governo trata como um caso de saúde pública e sem saber os motivos que desencadearam a cegueira, buscando prevenir mais casos, resolveram isolar as pessoas que já estavam cegas e as que tiveram algum tipo de contato com elas. Para isso, usaram um manicômio abandonado, colocando  em uma ala os já cegos e em em outra os que ainda não cegaram, sendo todos vigiados por soldados do exército para que não fugissem.

Cada dia chegava mais pessoas e não demorou muito para o número passar de duzentos. Já existiam alguns problemas antes disso, como a divisão da comida, limpeza e organização, que era tudo feito pelos próprios cegos, mas com o aumento de pessoas esses problemas intensificaram-se e surgiu um maior: um grupo de cegos armou-se de paus e decidiu controlar a comida que recebiam, cobrando dos demais para que pudessem comer. Com isso percebemos a genialidade do autor, que nos  faz refletir a cerca de como o ser humano, mesmo em situações como essa, em que todos estão no mesmo barco, no caso, todos estão cegos, ainda assim existirá quem vai querer ser melhor do que o outro e se aproveitará da situação para oprimir os demais.
Os cegos armados exigiram como pagamento pela comida, que todos dessem tudo que tivessem de valor. Mas de que serviria, se eles não teriam como gastar? Quando ninguém mais tem como pagar pela comida, os ladrões decidem que o pagamento seria feito por sexo, exigindo que todas as mulheres de cada ala lhes servissem sexualmente. Tal ideia foi rejeitada por todos, mas diante da irresolução dos cegos malvados, não houve outra alternativa senão fazer-lhes a vontade. O autor descreve as cenas com uma riqueza de detalhes tamanha que o único sentimento possível é nojo dos seres humanos, especialmente dos homens.

Uma única pessoa, a mulher do médico, inexplicavelmente permanece enxergando. Dia após dia esperava cegar como todas as pessoas, mas dia após dia continua enxergando. A princípio ela se finge de cega só para poder acompanhar o marido quando ele é levado para o manicômio, mas continua fingindo para que as outras pessoas não se aproveitassem dela. Sua visão foi muito útil para colocar um fim da opressão dos cegos malvados sob os demais.

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. -p. 9

Saramago coloca em evidência o mais baixo grau de dignidade ao qual o ser humano pode chegar. Eles são totalmente animalizados e destituídos de sentimentos. Têm fome e são capazes de qualquer coisa pela sua sobrevivência. Por outro lado, ele humaniza os animais. Há um cachorro que consola a mulher do médico enquanto ela chora e lambe suas lágrimas, desde então passa a acompanhá-la e é chamado de “cachorro das lágrimas”. Outra coisa que é interessante notar é que as personagens não têm nome. De que serve um nome para um cego? Então elas são chamadas de algo que lhes caracterizam. Como por exemplo: O primeiro cego, a mulher do primeiro cego, o médico, a mulher do médico, a rapariga dos óculos escuros, o velho da venda preta, o menino estrábico e assim por diante.

O livro apresenta a forma de escrever característica do autor: os únicos pontos gramaticais que são usados são os pontos finais e vírgulas, nada mais. Não há aspas, travessões ou pontos de interrogação. Para indicar que a frase é a fala de alguém, ela é iniciada com letra maiúscula depois de uma vírgula.

“(…) um escritor acaba por ter na vida a paciência de que precisou para escrever”. -p. 276

Essa foi a segunda vez em que li esse livro e nessa releitura pude enxergar coisas que tinha deixado passar na primeira leitura e estou certa de que se eu o reler uma terceira vez, farei novas descobertas, pois é um livro que não se esgota em si e está sempre se renovando.

4 respostas

  1. Olá!
    Li Ensaio Sobre a Cegueira há alguns anos e gostei bastante, mas tive um pouco de dificuldade com a leitura por conta da escrita característica do autor. Pretendo relê-lo em breve, pois acredito que essa é uma daquelas obras que sempre exigem uma releitura.
    Beijos.

    Li
    Literalizando Sonhos

  2. Não tive chances de ler este livro, mas pude assistir no colégio o filme. Muitos reclamaram achando o filme uma b#st@, mas com toda certeza esta história nos mostra o que o ser humano é capaz de fazer na hora do desespero – Ele se transforma em um montro!
    Amamos suas postagens. Já estamos seguindo! 🙂 E digo mais uma vez… Foi um prazer conhecê-la! Jeniffer.

  3. Eu sou fã deste autor e ainda não li este livro. As vezes a leitura de Saramago é um pouco difícil por causa da pontuação, por isso normalmente leio os seus livros mais devagar, mas no fim valem a pena.
    Gisela
    Ler para Divertir
    Participe do Sorteio dos cinco livros da série As Crônicas de Gelo e Fogo

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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