Que Edmilson de Almeida Pereira é um dos maiores nomes da poesia brasileira contemporânea, ninguém discorda. De grande referência, o poeta é figura carimbada em antologias, listas de melhores do ano e premiações, além de ser bastante admirado pelo público, crítica e colegas de ofício. Não fosse isso o bastante, é um autor prolífico, tendo muitas obras publicadas, também escrevendo prosa de ficção e não-ficção, sendo essa última um reflexo do seu trabalho acadêmico: Pereira é também professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. E é a partir do seu campo de atuação que nasce Entre Orfe(x)u e Exunouveau: análise de uma estética de base afrodiaspórica na literatura brasileira (Editora Fósforo), ensaio que trata da influência de uma estética afrodiaspórica na literatura brasileira.
Como Pereira diz na introdução da obra, esse é um trabalho que “aborda as relações das matrizes estéticas afrodescendentes (particularmente no âmbito do discurso poético) com os cenários históricos e sociais que revelam, ao mesmo tempo, uma aceitação e uma recusa das heranças afrodiaspóricas na sociedade brasileira”. Para tanto, o autor não só propõe um modelo estético afrodescendente – que se divide em duas vertentes, Orfe(x)u e Exunouveau – que busca valorizar a pluralidade e a experimentação do discurso poético que se conecta à experiência da diáspora africana como também o coloca em prática, analisando criticamente poemas de diversos poetas, tendo como intuito, segundo o próprio, a organização de uma microantologia sobre a mitopoética de Exu.
Entre Orfe(x)u e Exunouveau é dividido em três partes. A primeira delas, “Lugares de fala da autoria afrodescendente no Brasil”, ocupa-se de oferecer a contextualização do cenário literário brasileiro. Nesse bloco, Pereira tece comentários acerca do cânone e da sua importância para uma legitimação estética, reflete também sobre um cânone de ruptura – segundo o autor, aquele que ao se expor como um fazer e refazer contínuos, se relaciona com demandas políticas, sociais e estéticas que recusam àquelas impostas por grupos sociais dominantes, se organizando de maneira que ilumine a diversidade das matrizes africanas – e discute um Brasil-enigma, que não pode, jamais, ser pensado sem a colaboração das perspectivas indígenas e negras.
Na segunda parte, “Sobre uma epistemologia afrodiaspórica”, Pereira aborda questões relacionadas à tradição para poder pensar outras possibilidades estéticas. Como instrumento para embasar seus argumentos, mobiliza autores como Édouard Glissant, Paul Gilroy, Stuart Hall e especialmente Leda Maria Martins. Com isso, somos expostos a uma ótima análise dos eixos banto e iorubá da epistemologia afrodiaspórica, sendo essa última importante para o ensaio do qual tratamos aqui.
Por fim, a terceira parte, “Entre Orfe(x)u e Exunouveau: ou para uma estética de base afrodiaspórica”, na qual Pereira aprofunda o modelo estético afrodescendente que ele propõe com o ensaio. Grosso modo, mesmo que nos valendo das palavras do autor, Orfe(x)u é “marcada pela reiteração no domínio literário dos atributos sagrados de Exu”, e Exunouveau é “caracterizada pela interpretação crítico-criativa desses mesmos atributos no âmbito literário”. E para esse mergulho, o autor faz uma leitura rente a diversos poemas, a fim de mostrar de forma prática e palpável a perspectiva crítico-teórica que ele enxerga como possível e elabora tão bem.
Com Entre Orfe(x)u e Exunouveau, Edimilson de Almeida Pereira nos presenteia com proposições estéticas que ele próprio identifica como uma “configuração crítico-filosófica a partir da qual podemos apreender o mundo”, principalmente se considerarmos os “nódulos de tensão” que, não raro, expõe ao longo do ensaio. E por isso, inclusive, é possível pensar outras expressões como a música, o cinema, a arquitetura, a partir dessas modalidades estéticas com origem no campo epistemológico iorubá. Mais do que tudo isso, esse é um trabalho importantíssimo e que se faz imprescindível para quem busca pensar as manifestações artísticas brasileiras, sobretudo, a poesia. Ainda mais se a autoria negra estiver em foco.
A colaboração que Pereira traz com este ensaio é incontornável – vide a importância e reverência com a qual trata as contribuições, tanto artísticas quanto críticas, de mulheres negras ao decorrer da obra. O reconhecimento genuíno que o autor tem com todo esforço que elas vêm empreendendo desde sempre só realça a seriedade que ele emprega às suas reflexões. Em suma, ao se preocupar com uma mitopoética de Exu e os desdobramentos que nascem a partir dela, Edimilson de Almeida Pereira abre uma janela de possibilidades muito valorosa para que nos voltemos a uma cultura brasileira cada vez mais próxima de sua plenitude.