Exposição Histórias Afro-Atlânticas

“Conversation”, Barrigton Watson, 1981
A exposição Histórias-Afro-Atlânticas reúne mais de 400 trabalhos de mais de 200 artistas desde África, passando pela Europa, Caribe e Américas, de coleções brasileiras e internacionais, abrangendo desde o século 16 ao 21, expostas em dois dos principais nomes culturais de São Paulo: MASP e Instituto Tomie Ohtake, que em uma parceria inédita, proporciona ao público uma oportunidade única e histórica, tendo como ponto de partida o aniversário de 130 anos de abolição da escravidão no Brasil, um último dos países a aboli-la.

A curadoria foi feita por Adriano Pedrosa, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes, Lilia Moritz Schawarcz e Tomás Toledo.

A exposição como um todo é pensada em oito núcleos, sendo que seis deles estão no MASP: Mapas e margens; Cotidianos; Ritos e Ritmos; Retratos, Modernismos Afro-Atlânticos e Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica e Bahia; e dois no Instituto Tomie Ohtake: Ativismos e Resistências e Emancipações.

“Éramos as cinzas e agora somos o fogo”, Maxwell Andrade, 2018

No MASP, as obras estão divididas no primeiro andar, primeiro subsolo e segundo subsolo.

Começando de cima para baixo, antes de adentrarmos porta adentro nos deparamos com um quadro intitulado “Éramos as cinzas e agora somos o fogo”, de Maxwell Andrade um artista carioca e contemporâneo que reúne nessa pintura uma especie de resumo de muitas outras obras que estão presentes na exposição, o quadro apresenta diversas imagens de negros em situações positivas e de resistência.
No primeiro andar está o núcleo Mapas e margens com obras que evidenciam o contato direto que teve entre a África e países da América e do Caribe por meio de mapas, navios negreiros, pensando este contato por meio de rotas que formam um triângulo ao se pensar em difrentes momentos históricas e finalidades dessas rotas, ou seja, a rota de troca de produtos, a rota de captura de pessoas para serem escravizadas e a rota de comercialização de matérias-primas.
O termo “fluxos e refluxos”, de Pierre Verger é fundamental para se pensar essas relações entre África e os contatos que tiveram a partir e a retornando-se para ela.
Um artista que está neste núcleo é o ganense Ibrahim Mahana, muito conhecido por reapropriar materias usados e os transformar em arte, que também esteve na exposição “Ex Africa” com sua instalação de mais de 2 mil caixotes. Aqui o artista figura com “Hamida”, uma sucata de lona por cima de sacos de juta, resinificando o uso desses sacos que em Gana são muito utilizados para o transporte de cacau. 

“Hamida”, Ibrahim Mahana, 2017.
Nos núcleos Cotidianos, Ritos e Ritmos é possível ver obras que evidenciam representações religiosas de diversos países, festas populares e cenas mais comuns do dia-a-dia, de diversas países e épocas.

Grafite do metrô nº 2, Faith Ringgold, 1987.

Algo muito marcante do núcleo Cotidiano é um vídeo com três homens negros, Ad Junior, Edu Carvalho e Spartakus Santiago, no qual eles dão dicas de como homens negros devem se portar, principalmente pensando na realidade de intervenção militar no Rio de Janeiro.
Chama atenção no núcleo Ritos e Ritmos a presença de fotografias e uma delas é de Carlos Vergara, datada de 1972, da série “Carnaval”, em que vemos três homens negros com a palavra “poder” escrita em seus corpos:

Série “Carnaval”, Carlos vergara, 1972.

No núcleo Retratos há 66 deles das mais diversas pessoas. Chama atenção o quadro “Baiana”, do século XIX, que não se sabe quem pintou nem quem é a mulher da pintura, mas vê-se a figura de uma mulher que apesar de seus ombros caídos, está vestida e adornada de um modo bastante distintivo. 

“Baiana”, autor desconhecido, século 19

Nesse núcleo estão presentes os retratos pintados por Dalton Paula, que foram feitos exclusivamente para a exposição e retratam dois líderes negros importantes do século 19, Zeferina e João de Deus Nascimento, a primeira tem origem angolana, foi trazida para o Brasil para ser escravizada quando ainda era criança e ajudou a criar o Quilombo do Urubu, em Salvador e o segundo, baiano, filho de mãe forra, foi alfaiate e nome importante na Conjuração dos Alfaiates, também conhecida como Revolta dos Búzios.


“João de Deus Nascimento”, Dalton Paula, 2018
“Zeferina”, Dalton Paula, 2018

O primeiro subsolo, o menor dos três espaços, é uma sala na qual está o núcleo Modernismos Afro-Atlânticos com quadros de pinturas mais abstratas.

Já o segundo subsolo é dedicado ao núcleo Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica e Bahia, no qual é exposto obras que retomam uma questão do sagrado e do religioso, com o candomblé brasileiro, a santería de Cuba e o vodu do Haiti São belissimas as pinturas em aquarela  de Edsoleda dos Santos, que retratam os orixás.

“Iemanjá II”, Adsoleda dos Santos, 2015

Já no Instituto Tomie Ohtake antes de se entrar nas salas tem uma grande linha do tempo que tem início com a escravidão moderna e fim com o execução da vereadora Marielle Franco. 
A exposição está dividida em duas grandes salas, sendo a primeira delas voltada para o núcleo Emancipações, que expõe imagens sobre a escravidão em sua mais variada forma, evidenciando o caráter de resistência desde antes dos capturados pisarem em solo americano. Nessa sala vão aparecer trabalhos que evidenciaram a luta pelos direitos civis no Estados Unidos.
Um nome que chama atenção é Sidney Amaral, que tem mais de um trabalho nessa sala e um deles é a reunião de cinco desenhos em aquarela que juntos formam um quadro maior: 

“Incômodo”, Sidney Amaral, 2014
Outro trabalho do mesmo artista é o quadro “Mãe Preta”, única tela que tem uma parede só para ela e faz uma releitura da cena do filme domicano, “Cristo Rey”, de 2014. Se voltarmos lá na pintura de Maxwell Andrade, do começo no Masp, veremos que um dos desenhos também é uma releitura dessa cena.

“Mãe Preta ou A Fúria de Iansã”, Sidney Amaral, 2009-14
Cena do filme “Cristo Rey”, 2013

Ativismos e Resistências é então último núcleo, no qual a abordagem é de caráter mais notadamente político e atual.

Uma resposta

  1. Que exposições assim sejam cada vez mais frequentes. Essa semana fui ao CCBB daqui do Rio ver a do Basquiat, foi uma das melhores coisas que fiz esse ano… saí de lá diferente.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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