A Bienal do Livro de São Paulo é o maior evento literário da América Latina. Em todas as suas edições reúne diferentes exposições de editoras para promover encontros e debates entre escritores e público. Este ano, em sua 26ª edição, trouxe à Arena Cultural, com apoio da Pólen Papel e da Câmara Brasileira de Livros, a presença ilustre e afetuosa de Lázaro Ramos para falar sobre literatura infantil e sociedade, em uma conversa aberta ao público mediada pela escritora Pétala Souza.
Com sua presença altamente contagiante e alegre, o ator, apresentador, dublador, diretor e escritor Lázaro Ramos mostrou-se um multiartista completo, com o poder de preencher cada espaço com sua presença. Dono de um carisma sem igual, iniciou o encontro cantando e dançando a música “Alguém me avisou”, de Dona Ivone Lara, a fim de tornar o encontro com seus leitores e espectadores ainda mais especial e intimista.
Lázaro Ramos contou sobre o processo de escrita da literatura infantil, em relação a como as infâncias devem encontrar na literatura uma ferramenta de compreensão do mundo. Também falou sobre formas de abordar discussões importantes com o público infantil, considerando que são partes componentes da sociedade, ainda que sejam crianças.
Seu processo de pensar na escrita para crianças parte de sua relação pessoal com seus filhos, como é o caso de Caderno sem Rimas de Maria, por exemplo, que nasceu do que ele diz ser “afetos que não podem ser nomeados”. E busca no cotidiano de sua relação paterna pontes que liguem sua infância à de sua filha, representada no vocabulário intimista presente no livro, que são palavras inventadas entre pai e filha usadas de forma simbólica na escrita.
O ator também falou sobre como foi sua infância e como seu acesso à literatura era escasso. Para além da acessibilidade aos livros em si, para ele, na época, os livros tinham a função exclusiva de educação, assumindo um caráter de obrigação. A partir dessa constatação Lázaro Ramos reflete sobre as possibilidades de tornar livros um instrumento de divertimento, por meio da instigação dos interesses da criança, para que possam ser veículos no desenvolvimento cognitivo e socioemocional. Para ele, a necessidade de escrever para crianças é pensar que elas se tornarão os adultos do futuro, por isso é preciso pensar numa escrita que atravesse a barreira lúdica e possa influenciar positivamente na formação do indivíduo que é parte ativa e pensante da sociedade.
Para Lázaro Ramos a importância de incluir crianças nesse debate exige expertise, pois a escrita demanda cuidado e atenção, de forma que não venha ferir as infâncias. Ele contou sobre como a escrita se tornou um veículo de fuga da solidão e ainda como escrever se tornou uma forma de se comunicar com a criança que foi um dia. Teve pouquíssimo acesso à literatura por questões financeiras, mas ainda sim pode persistir no caminho da educação, que ele chama de “alimento literário”, tendo a arte como um dos veículos de acesso ao conhecimento, e mencionou o Coreógrafo Zebrinha, que trabalha com ballet folclórico na Bahia, que além de grande amigo, mostrou os caminhos da escuta no seu processo de aprendizado.
O teatro foi uma ferramenta fundamental para seu entendimento enquanto escritor, pois quando adolescente escrevia apenas para si, como uma forma de autoconhecimento. Um dia mostrou para um de seus amigos do coletivo de teatro, que leu e alegou que era bom o suficiente para interpretação. Foi então que Lázaro viu pela primeira vez seu potencial como escritor. Ela falou também sobre explorar o potencial e a qualidade da literatura negra não só enquanto uma ação social, mas como uma fonte rica e inesgotável de conhecimento e excelência na produção literária. Expôs o quanto admira coletivos de publicação que criam uma rede alternativa para propulsionar escritores negros fazendo a literatura ser amplificada.
O escritor também salientou o quanto o desmonte da educação brasileira tem sido uma peça chave na falta de acesso aos livros no Brasil, considerando as condições econômicas que o país e o brasileiro se encontram em relação a alta dos impostos que taxam livros. Ele encontra no seu público infantil a grande possibilidade de aprender e quando tem um texto pronto faz questão de enviá-lo para escolas públicas e particulares sem ilustrações e sem nome para que as devolutivas possam ser feitas pelos leitores, com a intenção de colocar as demandas do público no centro da narrativa, o pensar da criança na condição político-pedagógica. Considerando que por meio da literatura infantil é possível enxergar uma possibilidade de reconstrução do Brasil, trazer esse público para debates de formas adequadas é fundamental para o desenvolvimento dos adultos, por isso dá tanto valor a pesquisa por meio de diálogos e devolutivas.
A forma com que Lázaro abordou o tema me apetece muito, pois a literatura infantil ainda possui suas limitações de atuação quando tenta incluir debates sociais, por exemplo. Gosto da forma com ele coloca crianças em um lugar de seres pensantes e ativos, que vai na contramão do que se vê cotidianamente, em crianças ainda são vistas como ‘’coisas’’ que devem obedecer a um código moral e comportamental da sociedade. Dialogar com o público infantil de igual para igual é uma possibilidade enorme de aprendizado, já que as infâncias não pertencem somente às crianças e mesmo que em diferentes fases da vida, a infância deve ser preservada e visitada como um recurso permanente de desenvolvimento pessoal.
Lázaro terminou o encontro falando sobre como a comunicação precisa ser uma ferramenta que atravessa as barreiras de classe e não somente reforce ideias já consolidadas na bolha. É necessário dialogar com todas as pessoas de maneira simples e prática para que todos possam compreender o que quer ser dito. Os livros infantis são uma saída para isso, “uma saída da dor para a possibilidade de sonhos”, pois eles não se encerram na criança, mas viram uma ferramenta de construção de debate e reflexão para adultos.