No final do ano passado eu fiz uma viagem para a Bahia e naturalmente, levei alguns livros. Dentre eles, cinco infantis que foram, mas não voltaram comigo. Eu sabia que ia conhecer pessoas, mas não imaginava que conheceria tantas crianças quanto conheci, muitos menos que me encantaria tanto. Gosto muito de crianças e tenho orgulho de me dar bem com elas. Basta uma pequena abertura e é fácil cativá-las, conquistar sua confiança. Nesse caso, não foi diferente. Principalmente quando percebi que a leitura poderia ser uma aliada no fortalecimento de nossos vínculos.
Acredito muito no poder transformador da leitura e acreditei que ler para essas crianças, que tinham de sete a doze anos, poderia transformá-las de alguma forma, poderia proporcionar-lhes alguns momentos de suspensão de suas realidades para mergulho em histórias que elas nunca tinham ouvido. Ler para elas foi mágico. Meu coração se enchia de alegria quando folheavam os livros ou quando tomavam a iniciativa de lerem sozinhas.
Um episódio em especial me marcou muito. Era um domingo. As mulheres, mães dessas crianças, se reuniram para fazer um almoço especial e enquanto esperávamos os homens chegarem para o almoço poder ser servido, eu comecei a ler um dos livros que tinha levado. Era “Joãzinho e Maria”, da Cristina Agostino e Ronaldo Simões Coelho. Uma adaptação do clássico, em que as crianças protagonistas são negras e a história se passa no Brasil, na Serra da Mantiqueira, para ser mais exata. Um pai que passa por dificuldades financeiras após ficar viúvo, resolve casar novamente para ter quem cuidasse de seus dois filhos, Joãozinho e Maria. No entanto, essa madrasta maltrata as crianças quando o pai está ausente. É comum ela tentar se livrar das crianças para que sobre mais comida. Para tanto, as manda fazer tarefas difíceis de serem realizadas, até que elas se perdem na floresta e não vem outra alternativa a não ser dormir por lá mesmo, para na manhã seguinte procurem o caminho de volta. No dia seguinte, com fome e frio, encontraram uma casinha feita de pão de mel, brigadeiro e muitas outros doces deliciosos. As crianças começaram logo a comer e foram pegos desprevenidos por uma bruxa e levados para dentro da casa para virarem refeição dela.
Eu comecei a ler para as duas crianças que estavam do meu lado no sofá e em algum momento, mais duas apareceram, depois mais três e depois as mães dessas crianças e chegou um momento em que no livro, já no final, a personagem Maria, muito esperta, consegue enganar a bruxa e virar as circunstâncias ao seu favor. Nessa hora, minha mãe, que também estava ouvindo a história, comemorou bem expressivamente o fato da bruxa ter se dado mal. E nesse momento, me dei conta de que minha mãe estava me ouvindo ler. Pode parecer algo trivial, mas eu nunca tive oportunidade de ler para minha mãe porque não moro com ela desde quando tinha oito anos e foi isso, aliado ao fato de ter tantas pessoas me ouvindo, que me marcou tanto.
Bem, se já estávamos todos com fome, as crianças-ouvintes ficaram com mais fome ainda quando ouviram a narração sobre a casa de doces que as crianças da história encontram pelo caminho. Então, uma das mães pediu para uma das meninas ir chamar os homens para que pudéssemos almoçar logo. Nesse domingo, enchi não somente minha barriguinha com uma comida deliciosa, mas também meu coração.
“Joãzinho e Maria” faz parte da Coleção De Lá Pra Cá, publicação da Mazza Edições, que é composta por quatro livros infantis. Os demais são: “Cinderela e Chico Rei”, “Rapunzel e o Quibungo” e “Afra e os Três Lobos-Guarás”. Todos recontam os contos de fada clássicos, transformando os personagens em figuras mais abrasileiradas e o que eu acho muito importante, todos são personagens negros. Quando eu era criança, não tive nenhuma referência de personagens negros e fico muito feliz que as crianças de hoje possam se enxergar nas páginas dos livros.
4 respostas
Oi Maria querida
Que experiência maravilhosa tu teve nesse domingo. Eu participei de um projeto uma vez onde íamos na creche da cidade, aqui no interior onde meus pais moram, para ler para as crianças. Eu adorava o projeto, porque sempre gostei de ler, mas desde muito pequena aprendi a ler dentro da minha cabeça, só pra mim, e era muito legal ler para alguém, criando vozes e trejeitos. Eu tento sempre ler pro Miguel, mas ele não para queto ainda pra ler uma história inteira.
Eu acho muito legal que vem surgindo vários personagens negros na literatura. Eu não sou negra, mas acho que é de extrema importância que tenhamos personagens diversificados na nossa literatura, tanto pra identificação das crianças, quanto pra que a gente aprenda mais sobre diferentes culturas que não a americana e europeia.
Vidas em Preto e Branco
Esse post foi enternecedor!!!! Me senti tocada!!!
Que maravilha! Sem dúvidas foi um momento especial. Leitura e livros unem pessoas.
Bjão
Gosto muito das coisas que você expressa no blog, e acho que esse relato foi o que mais me alegrou, sério mesmo! Não é pouca coisa – ou frase clichê – quando a gente diz que ler transforma e dá coisas boas pra gente, né? Fico feliz que você tenha vivido esse momento especial com sua mãe e com outras crianças ao seu lado. (:
Isso me lembrou uma coisa que aconteceu na quarta retrasada. Eu tava responsável por cuidar do meu afilhado de dois anos e, do nada (sério, foi "do nada"!) ele começou a chorar muito e não parou mais. Tentei de tudo: conversar pra entender o que tava acontecendo, brinquedo, água, biscoito… nada resolvia, Maria! Aí um tempinho depois pedi emprestado um gibi da Magali que um menino estava segurando e foi impressionante porque Victor (meu afilhado) parou de chorar na mesma hora, muito atento ao que eu dizia estar acontecendo em cada quadrinho. Uns 5 minutos depois ele dormiu, e não sei se o motivo do choro era sono, mas só sei que o gibi foi exatamente o que Victor precisava pra ficar bem naquela hora.