“Meeting the Man”: raro documentário apresenta James Baldwin à nova geração

Direção e roteiro: Terence Dixon. Ano: 1970.

Nota: ★★★★★

Eletrizante, este raríssimo documentário retrata o encontro entre James Baldwin, talvez o maior escritor americano de todos os tempos — e uma das figuras mais importantes da cultura negra e da política norte-americana —; e um desorientado entrevistador branco em Paris. Filmado em pontos históricos da capital francesa onde Baldwin vivia na época, o encontro começa de modo truculento quando ex-combatentes negros da guerra do Vietnã, que ao que tudo indica, estavam atuando como mediadores entre Baldwin e a equipe de filmagem, não se sentiram satisfeitos com o teor das perguntas feitas pelo entrevistador.

Com menos de 30 minutos, o documentário começa com Baldwin respondendo a pergunta crucial: por que ele abandonou os Estados Unidos e escolheu Paris como destino? “Foi uma questão de vida ou morte”, o autor responde de modo sucinto. Não existe segredo. Na verdade, essa pergunta nem precisaria ter sido feita. Nascido no Harlem em 1924, ele cresceu vendo seus amigos sofrendo linchamentos, sendo espancados e mortos pela polícia. E quando, por alguma razão, conseguiam sobreviver ao racismo desenfreado nos Estados Unidos e chegavam à escola, sofriam com o descaso de professores brancos. 

Acerca da educação dos negros, Baldwin escreveu em Notas de um Filho Nativo, e em The Fire Next Time, que “[…] qualquer negro que leve ao pé da letra a formação que recebe na escola ficará praticamente incapacitado para viver nessa democracia.” É triste o tom quase displicente que ele usa ao responder que nos Estados Unidos não existe tempo para o negro “se encontrar”. É evidente que sua resposta foi referente ao ato de escrever seus livros, de forma artística, etc. mas existe muito a ser explorado nessa resposta, e não apenas em relação à intelectualidade do negro norte-americano. A prova disso, foi que Baldwin abandonou seu país rumo à França com apenas 40 dólares no bolso, e sem saber falar francês! Ele estava tão desesperado para ir o mais longe possível do racismo norte-americano que chegou mesmo a vender suas roupas e sua máquina de escrever — o objeto mais importante de um escritor.

Algo interessante na postura do autor é relacionado à sua recusa a falar de seu trabalho. Segundo ele, se sua obra for realmente boa ela falará por si mesma, e então, ele pode usar seu tempo de forma mais produtiva — e isso significa falar sobre o seu lado como cidadão norte-americano, e não como escritor. No curta, Baldwin fala da alienação social, do Complexto Industrial Prisional norte-americano, e em um dos momentos mais emblemáticos, ao ser perguntado sobre sua “demora” entre um romance e outro, ele é enfático, ao mesmo tempo que dialoga com sua resposta anterior sobre se preocupar em exercer seu papel como cidadão: “Nos últimos três anos eu trabalho entre assassinatos, e isso não facilita as coisas. Estão matando meus amigos.”

A tensão perdura por toda a duração do curta, pois James Baldwin, através de seu poderoso diálogo, demonstra como a Europa, mais precisamente a França, não estava tão avançada nas questões raciais, tanto que em determinado momento, ele diz para Terence Dixon que quando um homem branco destrói uma prisão, ele é visto pela sociedade como alguém que quer se libertar, mas que quando um negro faz a mesma coisa, ele visto apenas como um selvagem. Baldwin termina seu raciocínio com uma contundente crítica ao “O Complexo Industrial do Branco Salvador” tanto do branco americano, como o europeu, que segundo ele, sente a gritante obrigação de salvar os negros, no que Baldwin termina brilhantemente: “Vocês não podem me salvar. Mas eu posso salvar vocês!”

Disponível no Mubi, “Meeting the Man: James Baldwin in Paris” é uma ótima e rara oportunidade para que o leitor brasileiro que ainda não é familiarizado com a obra do autor de O Quarto de Giovanni possa ter uma noção do poder de sua mente, de suas palavras, e até mesmo de sua persona.


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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