Algo que me causa muita alegria é ver que mulheres negras estão escrevendo e publicando seus livros. Isso faz com que outras mulheres negras se sintam inspiradas a fazerem o mesmo. Acredito que toda pessoa tem uma história para contar. Há as que escrevem mas não acreditam que seja bom o suficiente para compartilhar com outras pessoas, há as que sentem vontade, mas nem chegam a escrever por falta de tempo, de estímulo, de planejamento… E não me refiro só às histórias ficcionais, me refiro também às histórias reais.
Quando viajei para Bahia depois de treze anos morando em SP, levei um caderno em branco, para escrever um diário de viagem. O objetivo era escrever para poder lembrar de cada detalhe, cada acontecimento, cada sentimento. Nos primeiros dias, escrevia de forma constante, mas antes do fim do primeiro mês já havia me cansado de escrever, queria viver intensamente cada momento lá e “perder” tempo escrevendo não parecia me ajudar nisso. Era como estar lá, mas me afastar alguns momentos durante a escrita. Então os dias registrados passaram a ficar mais esparsos. Até que resolvi escrever direto no computador, para me poupar do trabalho de ter que transcrever tudo depois, mas não resolveu a questão da regularidade da escrita. Só que nessa altura do campeonato, o objetivo dos registros já não era só para lembrança posterior, era também para me servir de base para escrever uma história. A minha, a da minha família, do meu povoado. Das diferenças entre a vida na cidade grande e a vida no espaço rural. E que diferenças! Até comecei a escrever algo nesse sentido, mas chegou um momento em que era doloroso escrever, era doloroso relembrar dos primeiros anos aqui em São Paulo. Eu me emocionava muito e não conseguia mais escrever, daí fui postergando a escrita.
Minha viagem durou dois meses e meio, já fazem quatro desde quando retornei e ainda não consegui dar prosseguimento a este projeto, não só pelas questões anteriores, mas também porque falta tempo. Sei que um dia vou ter que encarar a dor de frente e colocar no papel tudo que quero contar não só para ter um registro escrito, mas principalmente porque quero que as pessoas conheçam minha referência geográfica no mundo.
Cada vez que vejo que uma mulher negra está escrevendo e publicando suas histórias me sinto motivada, inspirada. Me faz pensar que eu também sou capaz. Me faz pensar que minha história também é importante.
Nesse mês de junho fui em um lançamento muito significativo. O lançamento do livro “Tecendo Memórias e Histórias”, da Marli de Fátima Aguiar. Por meio de contos autobiográficos a autora recupera memórias de seus familiares. Publicado de forma independente, cada exemplar foi encadernado por ela e por uma rede de mulheres, o que passa muito cuidado e amor em relação ao leitor. Seu lançamento aconteceu no dia 12 de junho, na biblioteca da Universidade Federal de São Paulo, no campus Guarulhos. No espaço estavam acontecendo outros lançamentos também, dentro da programação do IV Congresso Acadêmico da faculdade, mas a mesa da Marli era a mais colorida, a que mais chamava atenção, porque não só seus livros estavam dispostos na mesa, mas também livros de outras autoras negras e a provocação “Quantas autoras negras você já leu?”. Era uma mesa que exalava resistência em um espaço no qual negros ainda são minoria, tanto como alunos quanto como professores.
Poder estar presente neste evento reavivou a vontade de escrever minha história. Por isso que digo que uma mulher negra escrevendo revoluciona o mundo. O seu e o das pessoas ao redor. Que tenhamos cada vez mais mulheres negras escrevendo e contando suas histórias.
Uma resposta
Que bom foi poder ler esse relato, Maria. Já me prepara pra quando chegar o momento de ler suas histórias. E inclusive é um relato sobre o seu relato, né?! Escrever sobre essa vontade de se expressar e depois postergar as ideias pra viver o instante também é parte do processo, ainda mais com afetos envolvidos. Obrigada por dividir um pouco do seu momento com a gente! (: